Portugal: Uma grande greve geral para derrotar o pacote laboral

Armando Farias - 09 Dec 2025

O que está em causa neste pacote laboral é a tentativa do Governo e do patronato em aprofundar o actual modelo de baixos salários, precariedade laboral e social, despedimentos facilitados e a baixo custo, horários de trabalho longos e desregulados e, em geral, a degradação das condições de trabalho, acentuação das desigualdades e do retrocesso dos direitos laborais e sociais e potencial agravamento da exploração laboral

 Sobre os conteúdos do pacote laboral do Governo da AD (PSD/CDS), mas também do Chega e da Iniciativa Laboral que o apoiam e defendem, já muito se disse sobre os seus efeitos nefastos para as classes trabalhadoras, e consequentemente para as suas famílias. 

 Contudo, importa continuar o esclarecimento, mostrar como são falsos certos argumentos que o Governo e o patronato usam para justificar a ofensiva antilaboral e, sobretudo, evidenciar a importância de uma grande greve geral face ao atual contexto político, em que o grande capital e as forças políticas que o representam nos órgãos do poder procuram levar por diante o projeto antidemocrático que há décadas anseiam por concretizar no nosso país.

Há fortes razões para fazer a greve geral

No programa eleitoral da AD não constava a revisão das leis do trabalho 

 A ocultação desta intenção mostra claramente que o PSD/CDS tinham consciência dos graves prejuízos que as alterações iriam causar aos trabalhadores e, por isso, não as revelaram para não perderem as eleições.  

 É antidemocrática, falsa e imoral a posição do Governo!   

– O pacote laboral tem um único propósito: aumentar a exploração

 Ao contrário do que afirma o Governo, as alterações que são propostas não visam a modernização das empresas nem o aumento da produtividade. Destinam-se a desproteger mais os trabalhadores, seja no emprego ou na prestação do trabalho, na desregulamentação dos horários ou nas restrições à contratação colectiva. Visam perpetuar os baixos salários, eliminar direitos e agravar as condições de trabalho, alargar a prestação de trabalho não pago.

 Ora, manter os trabalhadores em situação de baixos salários é manter um perfil de economia assente em baixas qualificações, em produções de baixo valor acrescentado e, consequentemente, é um travão à inovação, à modernização e à produtividade. 

 Acresce que os baixos salários reduzem o poder de compra ao mínimo possível, impedem o crescimento das empresas e o desenvolvimento do país. É neste ciclo insustentável que andamos, década após década, sem saída à vista, porque os sucessivos governos da política de direita não governam em função dos interesses nacionais e dos trabalhadores, mas sim no favorecimento dos grupos económicos que eles representam.   

 E é também por isso que o pacote laboral só interessa aos grandes grupos económicos, não interessa às micro e pequenas empresas. São os grupos económicos que beneficiam dos muitos milhões da baixa do IRC e de muitas outras benesses, enquanto as micro e pequenas empresas debatem-se com problemas de procura e tesouraria, aos quais o Governo não dá resposta.  

 As grandes empresas e grupos económicos não têm problemas de produtividade, basta olhar para os resultados das maiores empresas nacionais que todos os anos superam o recorde de lucros (em 2024 foram distribuídos 2,9 mil milhões de euros em dividendos aos accionistas). Para este ano já se prevê novo aumento, num volume superior a 3,2 mil milhões de euros.

 Em Portugal, um em cada dez trabalhadores encontra-se numa situação de pobreza e o salário médio ao invés de se aproximar do da média da União Europeia, afasta-se cada vez mais. 

A modernização e a produtividade obtém-se com mais investimento em tecnologia, eficiência da gestão e valorização da mão-de-obra que é indispensável à criação de riqueza. 

O Pacote laboral não serve estes objectivos, a sua única finalidade é aumentar a exploração dos trabalhadores!   

 – O pacote laboral acentua o velho modelo de retrocesso social  

 Os argumentos do Governo, invocando a modernização e a digitalização para justificar mudanças nas leis laborais devido à evolução das formas de trabalho é uma comprovada falácia. 

 Basta ver o que se passa em muitas empresas cuja actividade é desenvolvida pela prestação de trabalho sem as mínimas condições de trabalho e de dignidade (plataformas digitais, teletrabalho, call center, etc.), para perceber que de um modo geral as chamadas «novas» formas de trabalho, afinal não passam de velhas formas de exploração de mão-de-obra barata. 

 Existem situações em que impera uma autêntica selvajaria. Mas o Governo e o patronato anseiam por aumentar ainda mais a exploração, querem aprofundar o actual modelo de baixos salários, precariedade laboral e social, despedimentos facilitados e a baixo custo, horários de trabalho longos e desregulados. Para tal, defendem o regresso do «banco de horas» individual, alargar as formas de trabalho atípico  e também alargar as possibilidades da prestação de mais tempo de trabalho não pago, retroceder nos direitos de maternidade e paternidade, entre outras medidas que representam novos retrocessos dos direitos laborais e sociais e o agravamento da exploração laboral.

 Tudo isto interessa, sim, ao patronato, para aumentar a exploração. Mas nada disto serve aos trabalhadores. A estes, o que faz falta é que perante o surgimento de novas realidades como o teletrabalho ou o trabalho em plataformas digitais, seja garantida legislação que proteja os direitos consagrados na Constituição, isto é, que sejam revogadas as normas gravosas e no reforço de direitos e salários.

O que é preciso é garantir e reforçar os direitos dos trabalhadores!

 – O pacote laboral condena à precariedade todos os jovens trabalhadores 

 A Constituição da República consagra o princípio da igualdade de oportunidades e tratamento no trabalho, proibindo qualquer discriminação quanto aos direitos e deveres laborais, pois  são os mesmos para todos os trabalhadores, independentemente da sua idade.

 O próprio Código do Trabalho estabelece estes princípios, só que os sucessivos governos têm produzido legislação complementar que os violam reiteradamente, sendo os jovens o principal alvo das discriminações.

 Se a precariedade laboral já atinge um milhão e trezentos mil trabalhadores (cerca de um terço do total) e a taxa de precariedade que incide sobre os jovens trabalhadores com menos de 25 anos é cerca de 54%, a situação agrava-se ainda mais, com 70% dos novos contratos de trabalho em situação precária. 

 Perante esta realidade, que pretende fazer o Governo com o pacote laboral? Quer alargar ainda mais os motivos e os prazos para a contratação a prazo, revogar o limite de duração total das renovações e vulgarizar os contratos de muito curta duração. Mas também quer facilitar mais os despedimentos, incluindo os despedimentos sem justa causa e, veja-se até onde vai a agressão, que o patrão possa impedir a reintegração do trabalhador, mesmo que o tribunal decida que o despedimento foi ilícito. 

 Resumindo, com o pacote laboral todos os trabalhadores ficariam mais desprotegidos e os jovens, em particular, condenados a viver toda a sua vida profissional em situação de precariedade laboral.

O Governo e o patronato são responsáveis pela chaga social que já existe! 

A legislação laboral em Portugal protege menos os trabalhadores    

 Quando comparada com os países da União Europeia, a nossa legislação laboral é das que menos protege os trabalhadores, seja em termos de rendimentos, de direitos sociais ou de vínculos contratuais, onde a precariedade em Portugal é brutal.     

 A propalada rigidez que fala o Governo e o patronato é desmentida pelos factos. Antes do código do trabalho, instituído em 2003, já as leis laborais tinham sofrido muitas alterações para pior. 

 Começou logo, em 1976, com o I Governo Constitucional do PS/Mário Soares que, entre outros diplomas prejudiciais aos interesses dos trabalhadores, instituiu os contratos a prazo (primeiro grande golpe na garantia de estabilidade no emprego) e também decretou o alargamento do conceito de justa causa para despedimento. Quanto aos salários, impôs uma política de tectos máximos para aumento dos salários (aumentos abaixo da inflação). 

 Ainda no período anterior ao código do trabalho, a legislação laboral sofreu inúmeras mutilações, sob a falsa necessidade de flexibilizar o mercado de trabalho, sendo que as alterações mais significativas operaram-se no sentido da maior precarização do trabalho, na desregulamentação e alargamento do tempo de trabalho e nas restrições à negociação e contratação colectiva como via de limitar direitos e conter o aumento dos salários.  

 A evolução da legislação laboral até à criação do Código do Trabalho foi muito negativa para os trabalhadores, mas o Código do Trabalho não mudou esse sentido, pelo contrário, ao sistematizar o acervo de leis até aí dispersas, o código aprofundou as principais linhas da ofensiva laboral, acolhendo todas as reivindicações das confederações patronais. 

 Até aos dias de hoje, o código do trabalho foi objeto de 24 revisões e todas elas no sentido de aprofundar mais dificuldades para os trabalhadores: generalizou-se a precariedade, intensificou-se a desregulamentação dos horários de trabalho, alargaram-se as formas atípicas de prestar o trabalho, impôs-se o boicote à contratação colectiva, com eliminação de direitos laborais e sociais, e foram introduzidas múltiplas formas de agravar a desvalorização salarial. 

A legislação laboral não é rígida. Rígido é o poder patronal que desequilibra a relação laboral em prejuízo de quem trabalha. 

 – A CGTP-IN não assina acordos que sejam maus para os trabalhadores

 Um dos falsos argumentos do Governo é dizer que a CGTP-IN nunca assina acordos. Ora, o que tem de ser dito é que a CGTP-IN e os seus sindicatos assinam os acordos que são bons para os trabalhadores e não assinam quando atacam direitos, limitam salários ou visam retroceder nas condições de trabalho.

 Na concertação social, a CGTP-IN assinou vários acordos parcelares, nomeadamente os acordos tripartidos sobre Emprego e Formação; Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho; Modernização da Segurança Social e Evolução do Salário Mínimo Nacional. Também assinou dois acordos bilaterais com as confederações patronais sobre a Dinamização da Contratação Colectiva e Formação Profissional

 Foram acordos favoráveis aos interesses dos trabalhadores, mas a sua eficácia foi comprometida devido aos incumprimentos por parte dos Governos e/ou do patronato, principalmente os acordos sobre a evolução do salário mínimo e a dinamização da contratação colectiva.         

 Por outro lado, e esta é a vertente mais importante, os sindicatos da CGTP-IN sempre assinaram todos os anos centenas de acordos com os patrões, nos sectores e empresas, sobre salários e melhorias das condições de trabalho. Se hoje não há mais acordos realizados a responsabilidade é inteiramente dos Governos e do patronato. Do Governo, que impõe a caducidade das convenções colectivas; do patronato, que à boleia da caducidade envereda pelo boicote à própria negociação com os sindicatos. 

É assim que, em 2003, meses antes da entrada em vigor do código do trabalho, 60,2% dos trabalhadores estavam abrangidos pela contratação colectiva actualizada em IRCT negociais mas, no final de 2023, eram apenas 22,6%. 

 De tudo isto resulta que o que faz falta é revogar o regime da caducidade e repor o princípio do tratamento geral mais favorável ao trabalhador e não este pacote laboral que não só recua aos piores tempos da troica, como até retrocede a muitas décadas quanto ao acervo de normas de proteção dos trabalhadores consubstanciadas no Direito do Trabalho.              

Como diz a canção, para pior já basta assim!

 – O ataque aos direitos sindicais visa desarmar a luta dos trabalhadores 

 No confronto com os trabalhadores o patronato procura anular os principais elementos que dão suporte à unidade, organização e desenvolvimento da luta.

 É assim que nas mais de 100 propostas que constam do pacote laboral, uma parte significativa respeita a eliminar ou limitar importantes direitos sindicais, tais como as restrições à liberdade de organização e ação sindical nas empresas, aos direitos de informação e de reunião, ou ao direito de greve, neste caso com a imposição do alargamento de serviços mínimos que em muitas situações são serviços máximos. O Governo e o patronato precisam destas alterações para mais facilmente continuarem a ofensiva contra os demais direitos laborais.

 Historicamente, os trabalhadores sabem que a melhor forma de defender os direitos é exercê-los. 

A greve geral constitui um direito que deve ser exercido!              

 – A greve geral é a arma do trabalho contra o poder patronal absoluto 

 O Governo preparava-se para levar por diante a aprovação de uma legislação laboral muito má, procurando esconder dos trabalhadores os impactos nefastos nas suas vidas. Ao querer evitar a discussão das alterações nos locais de trabalho e na sociedade, o Governo tinha a intenção de arrumar rapidamente a questão na chamada concertação social, fora de quaisquer questionamentos indesejáveis. 

 Por isso, a greve geral não é extemporânea. É feita no tempo certo, porque foi o Governo que escolheu o timing para declarar esta autêntica declaração de guerra aos trabalhadores.

 Mas, se, como diz o Governo, tem sido bom o desempenho económico do país, então, por maioria de razão, este é mais um argumento que torna injustificável insistir nas medidas que constam do pacote laboral.

 Num contexto de resultados económicos positivos, o que o Governo tem de fazer é legislar no sentido da valorização dos salários e na melhoria das condições de trabalho, distribuir melhor a riqueza criada pelos trabalhadores, combater as desigualdades e não em medidas que agravam a vida dos trabalhadores e das suas famílias. Entretanto, o anúncio da greve geral já constitui uma vitória, uma vez que obrigou o Governo e o patronato a virem a terreiro, espoletou a discussão, foram denunciados os objectivos escondidos e alargou-se a compreensão dos efeitos malévolos dos conteúdos do pacote laboral. Hoje, não só os trabalhadores, mas destacadas figuras da sociedade manifestam-se pela retirada do pacote laboral.

 E é isso que se pretende com a adesão muito forte à greve geral. Por outro lado, a unidade criada em torno da luta contra o pacote laboral dá mais força aos trabalhadores para continuar outras muitas lutas que têm de travar nas empresas e locais de trabalho pelo aumento dos salários e melhores condições de trabalho.   

 Está nas mãos dos trabalhadores pôr o pacote laboral no caixote do lixo! 

Concluindo,

 O que está em causa neste pacote laboral é a tentativa do Governo e do patronato em aprofundar o actual modelo de baixos salários, precariedade laboral e social, despedimentos facilitados e a baixo custo, horários de trabalho longos e desregulados e, em geral, a degradação das condições de trabalho, acentuação das desigualdades e do retrocesso dos direitos laborais e sociais e potencial agravamento da exploração laboral.

 Os trabalhadores estão perante uma peça essencial ao desenvolvimento do projeto antidemocrático que o grande capital e as forças políticas que o apoiam e representam nas instâncias do poder há décadas anseiam por concretizar no nosso país.

 

[Artigo tirado do sitio web portugués AbrilAbril, do 8 de decembro de 2025]