O consenso de Bruxelas
Salvar a Europa significa derrotar a União Europeia e o consenso que apesar das contradições emergentes parece prevalecer entre direita e social-democracia
Os recentes desenvolvimentos na União Europeia são elucidativos da profundidade e persistência da crise que afecta o continente europeu. Uma crise que sendo expressão do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo na Europa se manifesta também como uma crise da própria União Europeia. Não poderia ser de outra forma, a União Europeia integra a dinâmica geral do capitalismo na sua fase imperialista e, por consequência, o aprofundamento das suas contradições e da sua crise estrutural.
Da leitura política das diversas cimeiras e reuniões realizadas após o referendo na Grã-Bretanha – um abalo de grande magnitude no processo de integração – emergem três ideias centrais: a primeira é que se aprofundam todas as contradições do processo de integração capitalista. O espectro de um bloqueio, para não dizer desintegração, faz hoje parte da realidade política na União Europeia; a segunda é que os círculos dirigentes da UE tentam esboçar, mais uma vez, a solução «clássica» de «responder» à crise por via de uma fuga em frente que aprofunde ainda mais os pilares neoliberal, militarista e federalista; a terceira, relacionada com a segunda, é que as contradições não permitem avançar para já nesse salto em frente no plano económico e político – as eleições em França e na Alemanha assim o determinam – mas no que toca ao pilar militarista já não é bem assim.
É exactamente isto que transparece da recente Cimeira de Bratislava (ou Conselho Europeu informal). A Reunião a 27 passou por cima dos gravíssimos problemas económicos e sociais que percorrem a Europa e, ignorando-os olimpicamente, desenhou um «roteiro» até Março de 2017 que tem como eixos estruturantes: o desenvolvimento do militarismo da União Europeia; uma acentuação do conceito de Europa fortaleza; a continuidade e aprofundamento da criminosa política de migrações, nomeadamente com a militarização da questão humanitária; um conjunto de medidas securitárias atentatórias da democracia e da soberania dos estados como é o caso da Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia; uma maior federalização da dita política externa que agora também se vira para África.
Quanto ao «Brexit», aquilo que é hoje visível é que perante uma situação em que a «ira dos deuses» não se abateu sobre o povo britânico por tere decidido abandonar a União Europeia, o directório de potências e as instituições europeias estão apostadOs numa de duas «soluções»: ou fazer da saída do Reino Unido um autêntico «inferno» negocial, uma espécie de «lição» para outros, ou em articulação com este objectivo fazer reverter a vontade do povo britânico.
Os discursos da necessidade de «repensar», ou «refundar» o processo de integração estão, passados poucos meses do Brexit, completamente abandonados. A palavra de ordem é manter o rumo e aprofundar o funcionamento dos mecanismos de domínio. As reuniões que precederam Bratislava são elucidativas dessa opção e da deriva militarista, nomeadamente a cimeira de Atenas, organizada pelo governo do Syriza e em que participou o Governo português, uma peça exemplar do papel da social-democracia na Europa, das reais opções políticas do governo do Syriza e do compromisso do PS com os eixos da integração capitalista na Europa. Um compromisso tão mais insustentável quanto o povo português continua a ser alvo da chantagem, intromissão e pressão da União Europeia.
Não espanta portanto que em Bratislava as conclusões de Atenas tenham sido bem acolhidas por Merkel, Tusk e Juncker, e que o «clima» tenha sido «construtivo» quanto ao «roteiro» ali desenhado. É o velho consenso de Bruxelas a funcionar.
Fala-se hoje muito de «salvar a Europa», mas como temos dito, salvar a Europa significa derrotar a União Europeia e o consenso que apesar das contradições emergentes parece prevalecer entre direita e social-democracia.
[Artigo tirado do sitio web ‘Avante’, núm. 2.234, do 22 de setembro de 2016]