Brasil: Greve geral sinaliza novo rumo à esquerda
O que o Brasil também demonstra, com esta greve, é que as reformas liberal-rentistas – pelas quais os assalariados perdem algo do pouco que tem e se aproximam da miséria – podem sofrer, aqui, uma dura resistência coletiva
A importância desta primeira greve geral, “depois de duas décadas” – como disse a BBC\Londres – é que ela foi uma greve política. E o foi em toda a extensão legítima que esta palavra merece, embora não tenha sido tão perfeitamente política e intensamente noticiada como foram as mobilizações e arruaças de junho de 2013, orquestradas e apoiadas pelo oligopólio da mídia. Estas, chegaram a envolver uma parte da chamada “extrema-esquerda” (desconfiar sempre desta designação!) todos indignados com a “corrupção” e com a “gastança pública”, mas tanto as manifestações de junho de 2013, como as atuais – afora as provocações infiltradas e a violência policial – são aceitáveis e previsíveis em qualquer regime democrático e assim devem ser absorvidas.
O que não é aceitável e previsível é que manifestações deste tipo sirvam para derrubar governos legítimos, para colocar em seu lugar uma Confederação de Investigados e Denunciados, com a missão de promover reformas encomendadas pelos credores da dívida pública, que não só sequestraram o Estado Brasileiro, como vem derrubando – grão a grão – as conquistadas incrustadas na sua tímida Constituição Social. Mas a reação popular começou contra todas as previsões domesticadas dos cronistas da mídia tradicional, que agora já recarregam as baterias contra o PT e contra Lula. É o recurso sem futuro do golpismo pós-moderno. contra a democracia e a política, bloqueadas pelo jacobinismo de um Ministério Público que transforma os integrantes de todos os partidos, em abstrato, em moradores de um charco de interesses subalternos.
O PT, como já disse várias vezes. não é uma comunidade de anjos e Lula não é nenhuma vestal. Mas até agora o PT não é nem o terceiro lugar no “ranking” dos investigados-denunciados – mesmo sendo o preferido da república de Curitiba – e de Lula não conseguiram localizar nenhuma conta no exterior, nenhum cofre com dólares, nenhum dinheiro ilícito recebido, como vem ocorrendo com eminentes líderes do golpe, subitamente desaparecidos das manchetes da grande mídia.
O “New York Times” disse que foi uma greve contra “o Governo escandaloso de Michel Temer” e o Estadão, por seu turno, asseverou que foi uma “Manifestação contra reformas (que) afeta(ou) as grandes cidades e terminou em violência”. A leitura do New York Times é a leitura que a oposição democrática de esquerda faz da greve, a leitura do Estadão é a de João Dória, da direita neoliberal, dos empresários que apoiaram o golpe, do Governo Temer e dos seus nove ministros enrascados em investigações policiais e judiciais. Estes, enquanto não terminarem a suas tarefas reformistas liberais, ainda terão a comiseração da grande mídia, mas depois que as fizerem – se as fizerem – irão para o lixo da História, tanto aos olhos do povo prejudicado, como também aos olhos da mídia oligopólica, que dispensará os seus veneráveis serviços e possivelmente celebrará a jaulas que os receberem.
O professor Pascual Serrano no seu opúsculo “Desinformação, como os meios de comunicação ocultam o mundo”, fez uma sentença lapidar para interpretarmos a cobertura que as mídias tradicionais fizeram da greve geral: “enquanto nos distraímos vendo pela televisão como os EUA bombardeiam o Iraque, matam seus filhos e se apoderam do seu petróleo, os EUA aproveitam para bombardear o Iraque, matar seus filhos e se apoderar do seu petróleo”. Adaptada ao Brasil, esta sentença quer dizer o seguinte, antes da greve geral: “enquanto os trabalhadores hipnotizados pela manipulação da informação vêem um Congresso totalmente ilegítimo e parcialmente corrupto sequestrar os seus direitos, o Congresso totalmente ilegítimo e parcialmente corrupto aproveita para sequestrar os seus direitos.” Mas as redes ruíram a desinformação organizada pelo liberal-rentismo e a greve geral foi um sucesso.
O que o Brasil também demonstra, com esta greve, é que as reformas liberal-rentistas – pelas quais os assalariados perdem algo do pouco que tem e se aproximam da miséria – podem sofrer, aqui, uma dura resistência coletiva. Além dos trabalhadores terem aberto uma fenda nas lutas meramente corporativas -através da greve política – este mundo do trabalho tradicional pôde se comunicar com os trabalhadores da exclusão neoliberal: os informais, “autônomos”, precários, “meias-jornada”, os desempregados sem rumo e sem esperança, os estudantes da baixa classe média. Foi iniciada -através da nova linguagem das redes- a composição de uma nova pauta reformista, pela esquerda, não somente uma pauta de bloqueio ao sequestro de direitos.
Com uma colaboração horizontal entre diferentes categorias do mundo do trabalho – velhas e novas,”antigas” e “modernas” – quem sabe aqui seja possível a esquerda redesenhar as utopias e recuperar a iniciativa, agora como vanguarda da democracia e república. Os operários dos setores mais tradicionais no capitalismo desenvolvido, que eram tidos como “sujeitos” de uma revolução socialista, estão sem perspectiva e vem se aproximando mais da direita de inspiração fascista, do que das esquerdas de inspiração libertária. No cinturão obreiro de Paris, 44% dos trabalhadores votaram em Mme.Le Pen (somente 14% em Melanchòn) e nos Estados Unidos os trabalhadores dos setores tradicionais elegeram Trump à Presidência, todos formando os seus juízos de valor político inspirados nas relações com o mercado, não mais nas lutas corporativas da fábrica moderna.
A austeridade comandada pela mídia oligopólica sequer é uma austeridade repartida entre os diversos sujeitos sociais e os grandes capitalistas locais e mundiais. É uma austeridade concentrada naqueles que dependem, para viver, da existência – ainda que não exemplar – dos serviços públicos e dos investimentos do Estado na proteção social, em políticas de inclusão e em obras públicas que melhorem a vida nas grandes regiões metropolitanas. Estes, agora, começaram a falar. O que resta saber é se saberemos concertar uma grande Frente política, com hegemonia democrática de esquerda, que se apoie e oriente os setores majoritários da sociedade em torno da democracia e república, para dois grandes movimentos, diferentes mas harmônicos entre si: sair da crise política de forma pactuada, sem violência e sem Temer, e ganhar as eleições com um candidato que empolgue a maioria do povo, para repactuar nosso projeto de nação.
[Artigo tirado do sitio web brasileiro Sul 21, do 2 de maio de 2017]