União Europeia: Da estratégia do escorpião
O ataque aos direitos sociais decorre da própria matriz de classe da UE e sabendo que esta não é reformável, demonstrar-se-á que o pilar social não será mais que um logro que prosseguirá a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, alimentando as políticas de empobrecimento e exploração
Perante o cenário de profunda crise na e da União Europeia, a direita e a social-democracia, ensaiam fugas em frente. O aprofundamento do federalismo, da visão securitária e militarista; o aprofundamento dos mecanismos da governação económica, nomeadamente a União Económica e Monetária (UEM) onde se enquadra o euro, ou o Semestre Europeu; o chamado relançamento da UE, dos seus «princípios e valores fundacionais»; o reganhar as pessoas para o projecto de integração capitalista europeu; e o branqueamento das consequências das políticas da UE, com a tentativa de lavagens sociais daqueles instrumentos, são alguns dos exemplos e eixos da tentativa de fuga em frente. Hoje mesmo, será discutido e votado no Parlamento Europeu, o relatório «sobre um Pilar Europeu dos Direitos Sociais», iniciativa prioritária da Comissão, que tem como relatora Maria João Rodrigues, deputada pelo Partido Socialista.
Apontado como uma resposta à crise económica e financeira, o «pilar social» assume-se como um dos «cantos de sereia» com que se tenta avançar no aprofundamento da UEM. Na realidade, trata-se de um instrumento de nivelamento por baixo dos direitos dos trabalhadores, que ajudará a prosseguir as políticas neoliberais que se querem aprofundar.
Cheio de jargão europeu, o documento discorre numa complexa, densa e embelezada trama, procurando criar a impressão de uma efectiva e pujante preocupação social. Nada mais falso. Nas suas mais variadas políticas a UE sempre acenou com objectivos positivos como a coesão, o desenvolvimento económico e social e o combate às desigualdades. Contudo a prática aí está para demonstrar que tais proclamações não passaram de logros que esconderam e escondem objectivos concretos de centralização de poder, concentração económica, e aprofundamento federalista.
No referido relatório fala-se da integração de mais indicadores sociais no Semestre Europeu e na governação económica, tentando-se associar uma imagem «social» a mecanismos antidemocráticos, profundamente lesivos dos interesses nacionais e dos trabalhadores, um colete-de-forças que, com o euro e a UEM, compromete a soberania dos estados, impondo os interesses do grande capital e das grandes potências da UE.
Fala-se de uma economia social de mercado (o que quer que isso seja) direccionada ao pleno emprego, no contributo do pilar para melhorar o mercado único e a «bendita» mobilidade interna (à custa, claro do nivelamento por baixo dos direitos dos trabalhadores).
Fala-se de forma aligeirada na precarização e desregulação do trabalho e dos seus impactos, mas não se defende o fim do trabalho precário. Não se defende políticas públicas activas de emprego, ou a defesa explícita de criação de postos de trabalho permanentes. Fala-se de baixos salários, de pobreza generalizada, mas nem uma palavra para o aumento real de salários ou de políticas de efectiva e justa distribuição da riqueza. Termos como salários e condições de trabalho «decentes» ou serviços a preços «acessíveis» são frequentes em todo o texto. Promove-se a harmonização e privatização da segurança social, bem como da saúde, entre outros serviços. «Defende-se» a contratação colectiva, mas condicionada à «autonomia» dos parceiros sociais, desvalorizando as organizações de trabalhadores.
Fala-se de apoio à maternidade e paternidade, mas nem uma palavra para o pagamento de licenças a 100%.
O documento, confundindo, imaginamos que sem inocência, salário mínimo e rendimento mínimo, defende o estabelecimento de salários mínimos que atinjam 60% do salário mediano nacional (na versão inglesa). O que levaria, por exemplo no caso português, a definir o salário mínimo abaixo dos valores que hoje estão a ser discutidos, e que, sabemos, estão longe de corresponderem às necessidades do povo e do País.
Princípios como a jornada de 8h de trabalho diário ou a noção de trabalho igual para salário igual estão ausentes do documento. Assim como a crítica explícita às políticas de austeridade e às políticas da UE na degradação das condições laborais, na destruição dos sectores produtivos dos países, ou no aumento das desigualdades, do desemprego e da pobreza.
A estratégia desta iniciativa pode-se comparar à do escorpião, que convencendo com falinhas mansas a tartaruga a atravessar o rio, não evita a ferroada a meio que levaria à morte dos dois animais, justificando-se enquanto se afogava: «é da minha natureza...».
O ataque aos direitos sociais decorre da própria matriz de classe da UE e sabendo que esta não é reformável, demonstrar-se-á que o pilar social não será mais que um logro que prosseguirá a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, alimentando as políticas de empobrecimento e exploração, porquanto não é possível conciliar os interesses do projecto de integração capitalista com direitos sociais e laborais.
[Artigo tirado do sitio web portugués Avante, do 9 de febreiro de 2017]