UE: «soberania» imperialista
Os «valores europeus», tão invocados para impor mecanismos de ingerência política e ideológica «dentro de portas», ficam na gaveta quanto à Turquia, à Ucrânia e à abstenção na ONU de resoluções que condenam o nazi-fascismo ou reconhecem os Montes Golã como território Sírio, ou ainda quando a UE alinha com os EUA na agenda desestabilizadora na Venezuela
As conclusões do Conselho Europeu nos dias 10 e 11 de Dezembro – e o conjunto de decisões que o antecederam e o vão suceder – confirmam uma estratégia de tirar partido da actual situação para tentar dirimir contradições e levar a cabo novos saltos de aprofundamento da União Europeia. A agenda não é nova.
No seu discurso de Setembro no Parlamento Europeu, no chamado «Estado da União», a presidente da Comissão Europeia já tinha sido muito clara nas orientações que coincidem, não surpreendentemente, com a estratégia e as manipulações ideológicas emanadas dos sinistros corredores do Fórum de Davos em torno da ideia do «renascimento» ou «recomeço» do capitalismo, agora apresentado como «digital», «verde», «social», «para todos».
As prioridades do trio de presidências (onde se inclui a portuguesa) e as conclusões do Conselho Europeu apontam todas no mesmo sentido. Debaixo de uma capa «social», de que o pilar europeu dos direitos sociais é «marca», tentar o desenvolvimento de renovadas fileiras de acumulação e centralização de capital – as chamadas «agendas verde e digital» –, nomeadamente com a centralização da decisão sobre investimentos de acordo com os projectos e interesses dos grandes monopólios e das principais potências; alargar e aprofundar o mercado único em variadas áreas (com as consequentes ondas privatizadoras), como é exemplo o projecto da «União da Saúde», entre vários outros; institucionalizar mecanismos adicionais de dependência, imposição e ingerência, como é o caso dos novos condicionalismos agora associados ao Orçamento da UE e ao Fundo de Recuperação, com a lenga-lenga das «reformas estruturais» e a institucionalização da ingerência política e ideológica; transferir ainda mais parcelas da soberania nacional para o plano supranacional, como é o caso dos «recursos próprios» do Orçamento da União Europeia; aprofundar a deriva securitária, invocando o terrorismo, a «segurança digital», a «defesa dos valores», ou instrumentalizando hipocritamente a questão das migrações; e, finalmente, lubrificar e acentuar a natureza imperialista e intervencionista da União Europeia.
Sobre este último aspecto, a União Europeia invoca sempre dois argumentos de fundo para defender a sua dita «política externa e de segurança»: a UE «é um espaço que privilegia a paz, o diálogo, e a diplomacia» e tem de ter «a sua própria identidade». Ora, o Conselho acaba de adoptar duas decisões que mais uma vez comprovam a total falsidade de tais pressupostos. Aprovou um sistema de sanções que manda às malvas vários aspectos do Direito Internacional e do tal diálogo. Já a sua identidade própria é esmagada pela nova profissão de fé de lealdade aos EUA, e de submissão a quase todas as agendas da Administração entrante, incluindo o reforço do militarismo e da NATO.
Pelo meio, os «valores europeus», tão invocados para impor mecanismos de ingerência política e ideológica «dentro de portas», ficam na gaveta quanto à Turquia, à Ucrânia e à abstenção na ONU de resoluções que condenam o nazi-fascismo ou reconhecem os Montes Golã como território Sírio, ou ainda quando a UE alinha com os EUA na agenda desestabilizadora na Venezuela, nas renovadas pressões e provocações contra o Irão ou quando se submete à agenda norte-americana em variados domínios, escancarando as portas à tão almejada «frente unida» contra a China. É caso para dizer que a tal «soberania europeia» de que falava Macron, é, como sempre foi, a «soberania imperialista».
[Artigo tirado do sitio web portugués Avante, do 17 de decembro de 2020]