Palestina: Um plano de ocupação e guerra

José Reinaldo Carvalho - 06 Feb 2020

No “acordo do século” confluem interesses geopolíticos dos Estados Unidos, uma potência externa à região, e as aspirações nacionalistas dos que querem fundar um estado exclusivamente judaico.  É um plano de guerra e não de paz, de ocupação e não de liberdade. Como assinalam as forças da resistência, o “acordo do século” gera uma situação de ocupação permanente da terra palestina

 O chamado acordo do século proposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e exaltado pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, é tão absurdo e injusto que está sendo rechaçado por todos os lados.

 Os palestinos o repudiaram, considerando o ato de Trump, secundado pelos sionistas israelenses, nomeadamente o primeiro-ministro postiço Benjamin Netanyahu, como uma ofensa aos seus direitos nacionais, motivo suficiente para o rompimento de todas as relações da Autoridade Nacional Palestina com os Estados Unidos e Israel.

 O Irã e as forças da resistência palestina e libanesa também se colocaram em pé de luta contra as pretensões de Trump e Netanyahu.

 A ONU fez sérias restrições. Stephane Dujarric, porta-voz do Secretário-Geral da organização multilateral, Antonio Guterres, afirmou: “A posição das Nações Unidas sobre a solução de dois Estados foi definida ao longo dos anos por resoluções relevantes do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral da ONU, com as quais está comprometido o Secretariado”.

 O diplomata agregou que as Nações Unidas permanecem engajadas no apoio a palestinos e israelenses na solução do conflito, com base nas resoluções da ONU, no direito internacional e em acordos bilaterais, com o objetivo de estabelecer a proposta de dois Estados, vivendo lado a lado em paz e segurança, com fronteiras reconhecidas a partir dos limites demarcados antes de 1967.

 A Rússia também criticou severamente o “acordo do século”, na mesma linha de ressaltar a contradição entre suas cláusulas e o direito internacional: “Há um conjunto de resoluções do Conselho de Segurança da ONU e está bem claro que algumas cláusulas do plano [de Trump] não correspondem a elas”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

 O repúdio internacional à proposta de Trump é tão flagrante que na Liga Árabe, onde há não poucos aliados dos Estados Unidos, houve uma condenação unânime na reunião realizada no último sábado (1º/2). A Liga Árabe anunciou que rejeita o plano do presidente dos EUA. O organismo multilateral dos países árabes consolidou a opinião de que o plano é injusto. Seu comunicado é contundente ao afirmar que rejeita o “acordo do século”, que fez questão de designar como  americano-israelense, por não respeitar os direitos fundamentais nem as aspirações do povo palestino. A repulsa árabe foi tanta que os líderes reunidos no Cairo enfatizaram que não cooperarão com o governo estadunidense para implementar o plano espúrio de Trump e Netanyahu.

 Entre as reações internacionais é notável – pela marca de origem – a posição da União Europeia, que embora sempre conciliadora com as posições do imperialismo estadunidense e com o Estado sionista, inclusive neste caso, não deixou de patentear sua discrepância.

 Em entrevista coletiva neste domingo (2), ao sair de uma audiência com o ministro de Relações Exteriores do reino da Jordânia, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borel, além de afirmar que o chamado “acordo do século não terá êxito se os palestinos discordarem, a proposta de Trump “desafia muitos parâmetros acordados pela comunidade internacional: as fronteiras de 1967”.

 Com se sabe, a Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, de 1967 determina a retirada de Israel dos territórios ocupados na guerra daquele ano e estabelece as condições para o retorno dos refugiados. Israel desobedece à Resolução, desrespeitando, como em muitos outros aspectos, o direito internacional, agindo assim como Estado pária.

 O chamado acordo do século tem aspectos conjunturais relacionados com a campanha eleitoral nos Estados Unidos, em que Trump se bate por mais um mandato, e com o empenho de Benjamin Netanyahu para se livrar de uma condenação judicial por corrupção, assegurando um triunfo eleitoral no pleito marcado para março próximo, o terceiro que se realiza em Israel em menos de um ano, na busca de uma maioria parlamentar estável.

 Desse modo, a maioria dos analistas internacionais considera o plano da dupla Trump/Netanyahu como uma espécie de rota de fuga dos problemas políticos que ambos enfrentam.

 Mas o que os imperialistas estadunidenses e os sionistas israelenses perseguem com tal “acordo” vai muito além da conjuntura imediata.

 Trata-se de mais uma tentativa de liquidar de uma vez para sempre as aspirações e a luta do povo palestino à independência, exercida por meio de um Estado nacional de fato e de pleno direito. Para os sionistas é um passo na direção da limpeza étnica e a criação de um Estado “puramente” judaico.

 Para o imperialismo estadunidense, Israel é o aliado estratégico que atua como cabeça de ponte funcional à realização de seu plano de domínio absoluto sobre a região do Oriente Médio. Quanto aos sionistas, a parceria econômica, diplomática e militar com os Estados Unidos é decisiva à sua permanência como agressores e etnicidas.

 Destarte, no “acordo do século” confluem interesses geopolíticos dos Estados Unidos, uma potência externa à região, e as aspirações nacionalistas dos que querem fundar um estado exclusivamente judaico.

 É um plano de guerra e não de paz, de ocupação e não de liberdade. Como assinalam as forças da resistência, o “acordo do século” gera uma situação de ocupação permanente da terra palestina.

 O documento apresentado por Trump na semana passada é uma preciosa prenda ao Estado israelense e um golpe contra os palestinos. Todas as demandas de Israel quanto aos temas territoriais, incluindo o reconhecimento de assentamentos ilegais impostos pela força, a definição de Jerusalém como capital e os refugiados foram atendidas judiciosamente pelo mandatário estadunidense, que simultaneamente ignorou as legítimas reivindicações históricas dos palestinos, insistentemente consideradas como ilusórias pelos imperialistas e sionistas.

 O “acordo do século” é também uma ode ao ultrapassado unilateralismo, um tapa na cara da ONU, que tem uma coleção de resoluções – todas ignoradas – para a solução do problema palestino-israelense,  o fim da ocupação por Israel e o estabelecimento da paz.

 Partindo de premissas falsas, a entidade estatal sionista, sendo uma ameaça à paz e à soberania dos povos e países da região e recorrente na prática da limpeza étnica da Palestina, é simultaneamente um obstáculo a qualquer solução política para a questão palestina. O argumento dos agressores, adotado por todas as políticas dos Estados Unidos para a questão, é a primazia da “segurança” de Israel, concebida como a negação do direito à existência do povo palestino e à conquista do seu Estado livre, independente e soberano.

 A solução da questão palestina-israelense  pressupõe o cumprimento das resoluções da ONU e a proclamação do Estado Palestino, livre e soberano, tendo Jerusalém Oriental como capital, e com as fronteiras existentes em 4 de junho de 1967, fronteiras estas reconhecidas internacionalmente. Não haverá paz na Palestina, em Israel e em todo o Oriente Médio enquanto não se estabelecer plenamente o Estado palestino.

 O Estado sionista e a dominação imperialista se tornaram um martírio não apenas para os palestinos, mas também para o Líbano, a Síria e o Irã. Por isso, haverá reações ainda mais fortes do que as mencionadas acima. O “acordo do século”, concebido como um plano de ocupação e guerra, vai fracassar.

 

[Artigo tirado do sitio web brasileiro Resistência, do 3 de febreiro de 2020]