O imperialismo é uma ameaça à Paz

António Abreu - 17 Set 2020

Na actualidade, em condições que se foram, alterando, em sentido positivo ou negativo, as ameaças à paz em várias regiões do mundo continuaram a existir. Entre elas destacam-se, pela sua envergadura, sucessivos conflitos provocados pela administração norte-americana contra a China. O pretexto? «A ameaça chinesa», subterfúgio para esconder a vontade dos EUA terem uma posição hegemónica em todos os tabuleiros

  1. Uma ideia foi sendo expressa ao longo dos últimos 45 anos, depois da derrota do nazi-fascismo: a de o crescimento económico e o espantoso crescimento das ciências e das técnicas poderem gerar desenvolvimento, elevação dos níveis educativos, índices de saúde, de educação, cultura e da abrangência de seguração social, de redução do desemprego e do desequilíbrio na distribuição de rendimentos, regimes assentes em diferentes vertentes inseparáveis e complementares da democracia (democracia política, democracia económica, democracia social e democracia cultural), acesso ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, novas condições de paz e cooperação entre os povos e países com regimes políticos e governos de diferentes orientações políticas.

 Era uma bela e atractiva ideia, que deu força a anteriores ideais. Mas a permanência do capitalismo e do sistema imperialista, que aquele montara nas relações internacionais, passou a ameaçá-la e apenas uma parte do mundo a assumiu.

 Os países socialistas, ultrapassando muitas dificuldades, a partir de novas políticas públicas que foram dando vida a essas ideias. E os partidos comunistas e de esquerda de outros países, que também tinham tido uma luta heróica contra o fascismo e a ocupação nazi.

 Estas diferentes atitudes levaram a um grande prestígio internacional destes países e dos ideais comunistas e de esquerda, à perda crescente de atracção do modelo capitalista e à independência dos povos de muitas dezenas de países antes colonizados.

 Mas o imperialismo dispunha – e ainda dispõe – de muitos recursos, como a capacidade de ingerência interna, de intervenção militar, de realização de actos terroristas a partir dos seus serviços secretos, de informações e dos corpos diplomáticos. Realiza hoje, até, a sabotagem de organismos da ONU, como a UNESCO e a OMS.

 A paz conquistada foi abalada com guerras regionais e em vários casos com ameaças de guerra nuclear.

 No final do século passado confirmou-se que não podiam ser consideradas como definitivas as vitórias do campo socialista, que acabou por sofrer pesada derrota, com grandes repercussões nos equilíbrios mundiais. Mas também com impacto negativo sobre grandes organizações de massas, cuja existência era uma conquista dos trabalhadores no processo das lutas de classe e sobre partidos comunistas e revolucionários que enfrentaram fortes derivas ideológicas.

 Semelhante percurso ocorreu em vários dos novos países independentes devido a erros e atrasos, como a aceitação como normal da corrupção, a perda do funcionamento da democracia e do contacto directo permanente de dirigentes (mesmo eleitos) com as populações e os trabalhadores nas empresas, e a aceitação sem combate do neocolonialismo, que facilitaram a corrosão por dentro.

 O PCP preveniu e discutiu atempadamente em congressos estas questões enquanto dava a sua contribuição para que se desenvolvessem os encontros de partidos comunistas e operários, e outras organizações progressistas e revolucionárias na Europa e no mundo.

  1. Na actualidade, em condições que se foram, alterando, em sentido positivo ou negativo, as ameaças à paz em várias regiões do mundo continuaram a existir.

 Entre elas destacam-se, pela sua envergadura, sucessivos conflitos provocados pela administração norte-americana contra a China. O pretexto? «A ameaça chinesa», subterfúgio para esconder a vontade dos EUA terem uma posição hegemónica em todos os tabuleiros, o que se confronta hoje com uma nova realidade de relações entre países, que impôs novas centralidades, o multilateralismo, novos actores, e relações pacíficas e de cooperação multilateralmente vantajosa. Muitos países estão a aproveitar esta evolução, em que a China tem tido importante papel, para vencerem a fome e o subdesenvolvimento.

 Os EUA e outros países têm tentado fazer regredir essa influência da China.

 Fazem-no provocando uma guerra económica contra este país e, sendo a China motor de múltiplas parcerias e parceiro comercial de muita dezenas de países, actuam para dificultar essa situação.

 Mas as tentativas de dissociar a China de outros países estão a revelar-se destinadas ao fracasso. A China é um imenso mercado para muitos países. A ruptura das cadeias de abastecimentos não é do interesse de ninguém.

 Trump tem procurado acabar com prestigiadas empresas chinesas ou suas franchisadas, sediadas nos EUA, ilegalizando-as ou levando a que empresas americanas de menor capacidade concorrencial nos mercados do país as comprem. Tudo para impedir a parceria tecnológica e de inteligência artificial, violando regras de concorrência, com o argumento de eventual desvio de dados relevantes para a China.

 A guerra contra o TikTok, propriedade da WeChat, a que já nos referimos em artigo anterior, foi particularmente mediatizada.

 A verdadeira questão não é que o WeChat represente algum perigo para os EUA em qualquer sentido, mas sim que a CIA e a NSA não podem abordar o WeChat e pedir a partilha automática de muita categorias de dados.

 Sob o pretexto de que a China não é confiável, o governo dos EUA simplesmente proíbe o WeChat e, portanto, ninguém nos EUA pode enviar ou receber qualquer mensagem sem que a NSA tenha uma cópia.

 Qualquer notícia que não se enquadre na narrativa oficial será estrangulada à nascença, como o Google, o Facebook e o Twitter estão a fazer.

 Se a Microsoft ou outra empresa americana comprasse o WeChat, então é claro que tudo estaria bem, já que são empresas americanas, não chinesas.

 A China tem uma visão mais ampla sobre esta questão.

 Fez a proposta de construir uma estrutura global de segurança de dados e percebeu que a questão se tornou uma grande preocupação para a governação digital global. A segurança cibernética é cada vez mais importante para a segurança nacional.

 Mas os EUA apenas vêm essa área como um lugar onde possam impor total supremacia.

 A China prosseguiu um caminho de governação cibernética desde o início e alcançou resultados notáveis. As experiências de outros países também provam que o mundo cibernético não pode ser um mundo sem lei. Na ausência de regras globalmente adequadas de governança digital, a China teve a capacidade e o direito de tomar a iniciativa dessa proposta. Agora a bola está do lado dos EUA, restando saber se estes querem ir a jogo…

 Os EUA continuam a impor-se a outros países, com o seu programa de «Rede Limpa», procurando ter uma vantagem competitiva sobre a China. Mas a China está a ter papel decisivo na procura de um mundo com uma rede verdadeiramente limpa que pode ser desfrutada por todos.

  1. Já referi noutro artigo anterior algumas situações de gravidade, com consequências para a paz, no confronto dos EUA e da NATO com a Rússia no espaço europeu.

 Mas o desenvolvimento de diferentes perigos e confrontos dá-se também noutras áreas do globo.

 O envio pelos EUA, para o Mar do Sul da China de navios, aviões e outros recursos militares, «para garantir a liberdade de circulação» já originou diversos incidentes, que poderão adquirir maior gravidade.

 As explosões no porto de Beirute continuam a ter causas por esclarecer, num quadro regional cheio de outros incêndios, como o confronto entre a Turquia e a Grécia pela exploração de hidrocarbonetos no Mediterrâneo Oriental.

 Depois do ataque com um míssil dos EUA que matou Qassem Soleimani, um importante general iraniano, durante uma sua visita ao Iraque, um comandante da milícia iraquiana foi morto no mesmo ataque. A população do Iraque, irritada com o assassinato, ou temerosa de que seu país fosse ainda mais arrastado para um conflito armado entre os EUA e o Irão, pressionou o governo a retirar todas as tropas ocidentais de seu solo. O parlamento do Iraque até votou por tal saída. Agora Trump tira algumas tropas para as colocar noutros teatros de operações.

 O acordo promovido por Trump entre Israel e os Emiratos Árabes Unidos (EAU) é um acordo vergonhoso, que a pretexto da defesa da integridade da Cisjordânia, que logo Netanyahu negou, rompe com as resoluções dos países árabes de 2002, «legalizando» entendimentos antes escondidos com Israel da parte de monarquias árabes reaccionárias. Na Cisjordânia casas palestinianas são destruídas se não têm licença de construção passadas pela entidade ocupante…

 Como um antigo ministro da saúde palestiniano referiu:

«A Palestina não é apenas um lugar geográfico. Está estreitamente ligada ao desejo da nação de obter a liberdade, a dignidade e a independência. A Palestina, com os seus lugares santos islâmicos e cristãos, está no coração do nacionalismo palestiniano e, por consequência, quaisquer que sejam os esforços e o dinheiro que aí invistam, os que normalizam as relações com o inimigo não conseguirão jamais fazer com que a bússola da região indique o seu principal inimigo – o “Estado de ocupação” sionista. Mais tarde ou mais cedo, esse inimigo desaparecerá.»

 O mundo não pode esquecer que nos cárceres de Telavive permanecem cerca de 4700 prisioneiros palestinianos, 365 deles atrás das grades sem julgamento ou sequer acusações, na base do que o Estado sionista chama «provas secretas». Destes muitos cumprem penas de 20 ou 30 anos de prisão. Ccomo a agência Wafa revelou, em 13 de Julho, permanecem nas cadeias de Israel, apesar dos apelos da Organização das Nações Unidas para a sua imediata libertação, incluindo 160 palestinianos menores de idade, sendo mais expostos à Covid-19.

 Os EUA conduzem-se na Síria como potência ocupante.

 

 No norte das províncias de Deir Ezzor, Raqqa e Hasaka, instalaram, pelo menos, 13 bases militares, que dão apoio em armamento e logística à FDS «curda», com quem controlam, em conjunto, jazidas de petróleo e reservas de gás natural nessas regiões. Para a partilha desses recursos estabeleceram mesmo um contrato entre ambos, claramente ilegal à luz das leis da Síria como da justiça internacional, se esta tivesse vergonha e a utilizasse.

 Preocupantes são os incidentes de blindados norte-americanos com blindados russos que deveriam constituir-se como meios de garantia da paz na Síria.

 Tal como preocupante é o desenvolvimento do terrorismo na África Oriental, incluindo em Moçambique, com milícias sucedâneas da Al-Qaeda, já provocou milhares de mortos.

 Após a destruição da Líbia pela intervenção militar dos EUA e da NATO, a luta entre dois grupos pelo poder provocou já muitas vítimas neste país massacrado e a insegurança transmitiu-se aos países do Sahel, estando sempre associada a conquistas dos recursos naturais desses países.

 O descontentamento popular tem alastrado e, no Mali, ocorreu mesmo um golpe de estado militar, com grande apoio popular, que tem sido acompanhado pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) na perspectiva de se iniciar um processo de relançamento da soberania popular.

 Na América Latina, déspotas e ditadores procuram, com recurso a decisões de tribunais, impedir a reeleição de Lula da Silva no Brasil, de Evo Morales na Bolívia, de Rafael Correa no Equador e também fazer perder o mandato do deputado chileno Hugo Gutiérrez.

 Têm-se realizado muitas manifestações nestes países e também noutros, como na Colômbia, contra o assassinato sistemático de dirigentes sindicais e de dirigentes de outras organizações populares.

 Na Nicarágua, depois do falhanço de uma invasão em 2018, a USAID(1) volta a esboçar um novo plano com idênticos fins.

 E, até uma competição na produção de vacinas contra a Covid-19, pressionada por competições políticas, pode dar resultados desastrosos.

 A Rússia perfila-se como o país que, com mais testes das duas vacinas que tem em preparação, e poderá ver reconhecida a sua produção em primeiro lugar. Isto apesar da barragem de cepticismo e alarme sobre elas por parte de organismos oficiais e laboratórios provocada no mês que passou.

 Trump pressionou os laboratórios norte-americanos talvez demais para que possa distribuir vacinas antes das eleições presidenciais de 3 de Novembro…

 A própria situação interna nos EUA, directa ou indirectamente ligada aos resultados das eleições presidenciais de 3 de Novembro, causa muitas preocupações.

 Não é de esperar, de nenhuma das duas candidaturas com maiores possibilidades de ganhar, que vá alterar significativamente a política externa da administração norte-americana mas internamente há muita ira e desespero causados pelo assassinato de afroamericanos pela polícia, pelos grandes incêndios na costa ocidental e pela criminosa gestão do combate à Covid-19.

 Segundo a Reuters, na passada quarta-feira, as principais instituições democráticas estão a perder a confiança das pessoas em grande velocidade, tornando cada vez mais provável que o resultado das eleições de 2020 seja contestado e seguido por uma nova onda de instabilidade política.

 Uma pesquisa recente do USA Today revela que 19% dos apoiantes de Trump e 28% dos apoiantes de Biden afirmam que não aceitarão a vitória do oponente. Nem é preciso ter uma bola de cristal para prever que os democratas gritarão «supressão de eleitores» e «interferência russa», enquanto os republicanos farão acusações de «fraude eleitoral» e «interferência chinesa» – dois meses antes da eleição. Qualquer um, nos dias que se seguem ao dia das eleições até por efeito da contagem dos votos por correspondência, que Trump tem contestado violentamente, prolongarão discussões entre si.

 O Expresso do passado dia 1 de Agosto citava Lawrence Douglas, Professor de Direito na Universidade de Amherst: «O receio não se prende com a possibilidade de o multimilionário se barricar na Casa Banca, mas com a instabilidade que se viveria entre o dia das eleições (3 de Novembro) e a tomada de posse (20 de Janeiro). “O país mergulharia numa crise muito grave”, considera Douglas, que, partindo da Constituição americana, referiu “as fragilidades do sistema eleitoral” que se tornariam evidentes.»

 Se Trump ganhar, regressam os protestos, mas se perder, pode não aceitar os resultados e isso terá implicações no seio das forças armadas para uma eventual intervenção se este quadro se confirmar.

_______________________________________________________________________________________

(1)  Sigla em inglês da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (United States Agency for International Development), que financia e ajuda a organizar ingerências internas em países não gratos…

_______________________________________________________________________________________

 

[Artigo tirado do sitio web portugués Abril Abril, do 15 de setembro de 2020]