Mercosul na contra-maré

Luís Carapinha - 29 Ago 2016

A inflexão do rumo do Mercosul ou mesmo a sua paralisação se inscrevem na estratégia dos EUA de promoção da Aliança do Pacífico (à qual a Argentina já se associou como observador, constando que o governo ilegítimo de Temer também o pretende fazer) e de ferrar a subordinação das economias regionais ao grande capital financeiro

 Três governos de direita da América do Sul, Argentina, Brasil e Paraguai, decidiram «vetar» a presidência pro tempore da Venezuela no Mercosul que é rotativamente exercida, segundo a ordem alfabética, por cada um dos cinco estados membro da organização por um período semestral. Tendo a presidência do Uruguai terminado a 29 de Julho ditam as normas internas que a presidência fosse automaticamente assumida pela Venezuela. Apesar das pressões em contrário, foram estas as regras escrupulosamente seguidas pelo governo da Frente Ampla em Montevideu ao anunciar a passagem da presidência à Venezuela.

 Os argumentos de Buenos Aires, Brasília e Assunção para mais este acto afrontante, lesivo dos interesses nacionais e que conduz o Mercosul a um impasse são obviamente espúrios. Inegavelmente, está-se em presença de um acto arbitrário e ilegal que conforma uma tentativa de golpe institucional na organização fundada em 1991, da qual a Venezuela é membro de pleno direito desde 2012. Um acto que vem no seguimento da poderosa campanha contra a revolução bolivariana animada, nomeadamente, pelo secretário-geral da OEA, Almagro, que se repete em acusações de «falta de democracia e ausência de Estado de direito» na Venezuela e tem clamado, sem sucesso, pela aplicação da famigerada Carta Democrática Interamericana contra Caracas.

 A reacção firme do governo bolivariano, em defesa dos princípios inscritos nos tratados do Mercado Comum do Sul e na denúncia das «maquinações» de uma nova Tripla Aliança na América do Sul, certamente acolitada aos supremos interesses que emanan de Washington, justifica-se inteiramente.

 Podendo ser justamente qualificada de inaudita a situação criada no Mercosul – e toda a campanha em curso que visa o poder popular na Venezuela, como um dos alvos centrais do imperialismo na América Latina –, esta não é porém uma surpresa, dados os revezes e mudanças desfavoráveis na correlação de forças verificados nos últimos meses. O conluio golpista no Mercosul está na linha directa do golpe (reciclado) no Paraguai de 2012 e do «golpe institucional» contra a presidente Dilma Rousseff no Brasil, que a direita espera selar em breve na decisão final do Senado. A que se alia a chegada à presidência de Macri, na Argentina, representante do neoliberalismo puro e duro e dos círculos da burguesia rendida a Washington, cujo poder, eminentemente reaccionário, tem vindo a ensaiar um crescente pendor persecutório e antidemocrático.

 Independentemente da decisão em torno da presidência da Venezuela no Mercosul, anunciada para esta semana, é evidente que a inflexão do rumo do Mercosul ou mesmo a sua paralisação se inscrevem na estratégia dos EUA de promoção da Aliança do Pacífico (à qual a Argentina já se associou como observador, constando que o governo ilegítimo de Temer também o pretende fazer) e de ferrar a subordinação das economias regionais ao grande capital financeiro, retomando o controlo geral no tradicional «quintal das traseiras, mesmo que publicamente abjurando da doutrina Monroe, como fez Kerry. A reencarnação da ALCA sobre a forma da Aliança do Pacífico e tratados aparentados não exige apenas que se enterre a articulação económica do Mercosul com o projecto avançado da ALBA e o Petrocaribe, mas também o esvaziamento da UNASUL e CELAC que representam os expoentes da dinâmica de integração e cooperação soberanas alcançada na América Latina. O que, por seu lado, exige a destruição dos processos libertadores nacionais que pautaram a sua emergência.

 A golpaça no Mercosul é inseparável da «guerra híbrida» contra o governo de Maduro e a Venezuela bolivariana de Chávez. Não admira que a coligação opositora da chamada MUD seja parte activa da conspiração da Tripla Aliança no Mercosul, cumprindo o papel de 5.ª coluna. Desfeitear os seus intentos obscuros e desmascarar a campanha imperialista na América Latina é uma tarefa vital dos revolucionários, progressistas e todas as forças democráticas.

 

[Artigo tirado do sitio web portugués ‘Avante’, núm. 2.230, do 25 de agosto de 2016]