60 Anos da Revolução cubana: resistência social na América Latina e construção de alternativas ao capitalismo
A “Revolução Cubana” após 60 anos mantém seu poder atrativo sobre o imaginário social e histórico latino-americano. Como nos evidenciou Hobsbawm (1995) a “revolução cubana foi tudo: romance, heroísmo, generosidade de sua juventude, um povo exultante (...)”. Na história das últimas seis décadas a revolução cubana representou, sobretudo resistência, persistência e inventividade histórica
Há aproximadamente 60 anos, em janeiro de 1959, um movimento formado em grande parte por jovens lutadores cubanos ensejavam um dos maiores feitos históricos na América Latina. A libertação de Cuba do julgo opressor norte-americano foi um feito comemorado em todo planeta, seja pelo inusitado de, em pleno “quintal” da maior potência imperialista forjada pelo capitalismo do século XX, se estabelecer um projeto que se opõe ao colonialismo; seja, por conta de que o movimento que se constrói se mostra autônomo a qualquer outro interesse internacional, ensejando uma perspectiva libertária pouco vista em outros episódios, particularmente depois das grandes experiências revolucionária russa e chinesa.
Em uma época de contra-revolução em grande parte da latino-américa, especialmente num momento em que o retrocesso histórico parece se impor como uma sombra irracional sobre o Brasil, retornar criticamente a experiência revolucionária cubana nos parece um formidável convite a se discutir o futuro da América latina. Porém, a experiência cubana se torna mais formidável para além da sua origem e da rebeldia da dupla Fidel e Che, torna-se uma condição de estudo ao suportar um ignóbil bloqueio continental que já teria quebrado qualquer outra nação.
O que faz Cuba tão distinta; o que torna o povo cubano tão senhor do seu próprio destino e como a lógica econômica do capitalismo imperialista, muito fortemente no atual momento neoliberal, é suportado pelo povo cubano e, mesmo frente ao fim do socialismo real soviético, manteve a perspectiva socialista. Entretanto, deve-se perguntar também sobre os limites possíveis de tal resistência.
Após 60 anos a revolução cubana mantém muito da sua atração, sendo que a interação e modificações sociais e econômicas ocorridas se revestem de muitos elementos que valem ser analisados.
Um primeiro aspecto importante a ser visualizado refere-se às condições de ruptura das formações periféricas em relação aos centros capitalistas, a chamada condição de dependência. Como demonstra o professor Pericás (2018) a experiência do planejamento em Cuba, enquanto condição para produção de excedentes econômicos necessários que superasse o atraso colonial requereu um gigantesco movimento de formação técnica e social, sendo que, vale lembrar, a participação cooperativa da antiga URSS foi de fato imprescindível; porém, Tablada (2017) nos lembra de que não haverá socialismo “se a economia não se submeter a uma ética, desde suas raízes, diferente da ética capitalista”. A experiência cubana assume notório interesse por essa interação entre a dinâmica técnica do planejamento, no estilo soviético, e a urdidura ética que a experiência concreta estabeleceu.
Um segundo ponto que julgamos central nesta experiência, ainda sob o aspecto econômico, refere-se a sua resiliência frente ao poder de império norte-americano, em particular após o desmoronamento do socialismo real soviético. Convém lembrar, como nos faz de uma forma melancólica o romancista Padura (2013) que os anos posteriores ao fim da URSS foram muito duros e obstinados em toda ilha: “os mais difíceis e fodidos de uma crise total e interminável...”. A obstinação estava presente na superação de uma condição econômica do bloqueio internacional que poucas nações tinham vivido. Aqui vale lembrar, como fez Hobsbawm (1995) que uma “Cuba comunista sobreviveu a setenta milhas de Key West”. Ressalta dois pontos: apesar do apelo ideológico do vizinho continental e sua opulência descarada, a sociedade da ilha suportou e desenvolveu uma contracultura, uma visão em oposição ao comercialismo e a cultura do “tudo se compra” do Mefistófeles San.
Porém, também, estabeleceu um modo de viver fundado em certo tipo de associativismo, preservação do meio-ambiente e de qualidade de vida da sua população que são fatores tão necessários de serem pensados nesta virada irracional do capitalismo mundial. Somente para lembrar: Cuba detém o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da América Latina, muito a frente da maior parte dos grandes países continentais (México, Brasil, Argentina), sendo que segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o país caribenho ocupa a 67° posição mundial entre 188 países, com uma esperança de vida ao nascer de 79 anos e uma escolarização média da população maior de 25 anos de 11,5 anos, que coloca Cuba na 30ª colocação neste quesito entre os 188 países avaliados pela ONU (Organização das Nações Unidas) (conferir: encurtador.com.br/npxM3).
Contudo nem tudo são flores, o agravamento do quadro econômico em função do bloqueio e, mais recentemente, os problemas de abastecimento energético, também decorrentes da crise venezuelana, aliado ao aprofundamento do isolamento e o envelhecimento do capital fixo da ilha, além da baixa capacidade de capitalização do Estado cubano coloca uma crescente disparidade entre as elevadas e necessárias condições sociais e de qualidade de vida do povo cubano e as baixas taxas de crescimento econômico (conferir: encurtador.com.br/hR389). Um desafio que deve ser estudado e tratado cientificamente por todos e todas que tenham a real preocupação com a obrigatória transição que as sociedade humanas terão que fazer do atual modo de produção capitalista degradante, alienado e insustentável, para uma outra forma social que seja sustentável no longo prazo de futuro humano.
[...] A “Revolução Cubana” após 60 anos mantém seu poder atrativo sobre o imaginário social e histórico latino-americano. Como nos evidenciou Hobsbawm (1995) a “revolução cubana foi tudo: romance, heroísmo, generosidade de sua juventude, um povo exultante (...)”. Na história das últimas seis décadas a revolução cubana representou, sobretudo resistência, persistência e inventividade histórica.
A capacidade de manutenção de um projeto nacional definido pela autonomia e construção de uma perspectiva social em oposição ao capitalismo e ao próprio imperialismo estadunidense, torna a Revolução Cubana um marco para análise de sociedades pós-revolucionárias, seja pela sua permanência (60 anos), seja pelas condições adversas a que foi submetido, pela proximidade do Império, seja pela crise que o fim da antiga URSS e a imposição da nova dinâmica neoliberal capitalista nas últimas décadas [...].
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HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
PADURA, Leonardo. O homem que amava os cachorros. São Paulo: Boitempo, 2013.
PERICÁS, Luiz Bernardo. Che Guevara e o debate econômico em Cuba. São Paulo: Boitempo, 2018.
TABLADA PÉREZ, Carlos. O Marxismo de Che Guevara. Havana: Ruth Editorial, 2017.
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[Artigo tirado do sitio web Agência Carta Maior, do 7 de outubro de 2019]