França: Operações «Robin dos Bosques» e tartarugas militantes
Prosseguem as lutas de massas em França. O sector da energia, juntamente com o dos ferroviários, sustenta uma luta prolongada cujo objectivo central tem um claro sentido político: a renacionalização. E os trabalhadores juntam à acção colectiva novas e criativas formas de acção, que consolidam o sentido de classe e alargam o apoio social à sua luta.
Neste fim de Maio a movimentação social continua em numerosas localidades de França. A sua própria prolongada duração aproxima-se de um endurecimento dos conflitos. A contestação de fundo, dirigida contra as políticas neoliberais aplicadas desde há um ano pelo governo do Presidente Emmanuel Macron, não perde força. Mesmo que não seja nada fácil para muitas das famílias de trabalhadores mobilizados nas greves ver as suas folhas de pagamento amputadas no fim do mês, ou dispor sempre da energia para participar no enorme número de manifestações que são planeadas pelas assembleias gerais e pelas organizações sindicais.
Nos transportes, as greves prosseguem desde há dois meses – de forma regular: dois dias de greve, três dias de trabalho – na SNCF (Sociedade nacional dos caminhos de ferro franceses) e – esporadicamente – na Air France. O PDG da Air France foi obrigado a demitir-se no início de Maio, na sequência dos resultados de um referendo interno que rejeitou as suas propostas de aumento de salários, consideradas insuficientes pelos assalariados. Na SNCF, em 23 de Maio, a comissão intersindical anunciou que 95% dos ferroviários consultados se pronunciavam contra a “reforma” neoliberal do transporte ferroviário que o governo entende impor-lhes. Os desfiles de ferroviários, muito motivados e na primeira linha dos movimentos de protesto, são engrossados pelos trabalhadores da função pública quando das inúmeras acções conjuntas periodicamente organizadas nas grandes cidades do país.
Os trabalhadores dos sectores da energia estão igualmente no coração da luta desde o início – na verdade desde Dezembro de 2017, antes mesmo do início da greve dos ferroviários. Em 7 de Dezembro passado, os trabalhadores das indústrias eléctricas e do gás tinham avançado para a greve a fim de influenciar as negociações salariais – depois do congelamento dos salários de base nacionais em 2017 imposto pela política “de rigor”. Os trabalhadores da electricidade e do gás têm uma longa experiência de luta. Efectivamente, o sector da energia foi largamente liberalizado nos últimos anos, sob a pressão das políticas de privatização e de abertura à concorrência desejadas pela UE e complacentemente acompanhadas pelos sucessivos governos franceses.
A imposição destas estratégias destruidoras, visando desmantelar o serviço público – entretanto considerado excelente em França – aumentou os riscos de rupturas no aprovisionamento e deu lugar a restrições e a recorrentes falhas nos serviços, bem como a diferenciações de tarifas conforme os utilizadores e os territórios e a frequentes subidas dos preços da energia de consumo doméstico, acrescentando os lucros dos produtores privados entrados no mercado para se apropriarem dos nichos mais rentáveis. Na maioria dos casos a multiplicação das ofertas locais de fornecimento de gás e de electricidade, privatizadas e concorrentes, é irracional. E nenhum mecanismo relativo aos compromissos climáticos de descarbonização permite fixar objectivos ambientais aos operadores privados.
Visando acções de choque, os trabalhadores da electricidade e do gás em luta decidiram realizar operações de choque ditas «Robin dos Bosques». Consistem em cortar a electricidade a grandes empresas que despedem trabalhadores enquanto obtêm enormes lucros que distribuem aos accionistas. Ou, em sentido contrário, em restabelecer a ligação de electricidade e gás a famílias em dificuldades financeiras que não tinham podido pagar as suas facturas de energia. São por vezes quarteirões populares inteiros, ou mesmo zonas departamentais identificadas como desfavorecidas, que vêm as suas facturas passadas a tarifas reduzidas graças a estas operações «Robin dos Bosques». Estas acções são por vezes efectuadas no decurso das manifestações: camaradas tapam o rosto, formam uma «tartaruga» (assemelhando-se um pouco uma molhada no rugby) por cima de uma caixa de visita que dá acesso a contadores subterrâneos, e um deles desce para realizar a sua missão…Uma vez regressado à superfície, a «tartaruga» grita, de punho erguido: «A energia é nossa, não é para o privado!».
A reacionalização do sector da energia é uma prioridade das suas reivindicações. «Sim ao serviço público da electricidade e do gás!», eis o seu slogan. A segurança energética e a igualdade de todos é o objectivo, bem como a independência energética do país e a garantia das missões ambientais asseguradas por compromissos climáticos e ecológicos de descarbonização.
A energia, essencial a todos os aspectos da vida, não é uma mercadoria mas sim um bem comum. E este bem comum, que resulta de enormes esforços de equipamento do país sustentados pelos cidadãos, deve pertencer-lhes. A luta pelo serviço público de electricidade e do gás é hoje uma das dimensões chave das lutas dos trabalhadores franceses.
[Artigo tirado do sitio web ODiario.info, do 28 de maio de 2018]