Crimes do capitalismo – apontamentos sobre passado e presente

Jorge Cadima - 24 Out 2022

O perigo duma catástrofe provocada pelo imperialismo é hoje evidente. Uma das mais perigosas expressões da agressividade imperialista é a estratégia de cerco e provocação permanente à Rússia capitalista, o que conduziu à guerra na Ucrânia. As recentes provocações dos EUA em torno de Taiwan mostram que igual estratégia de desestabilização e guerra por procuração é seguida no que respeita à R.P.China

A história do capitalismo, desde a sua fase de acumulação original do capital até aos dias de hoje, é uma longa história de violência e crimes. Do tráfico de escravos em larga escala ou o extermínio de populações inteiras (como nas Américas), à ameaça actual de desencadear um conflito global na era nuclear, vai um fio condutor. Esse fio condutor é um sistema assente na exploração e opressão, que devora vidas humanas e meio ambiente para gerar lucros e riqueza em benefício duma pequena minoria. Conhecer a História é importante também para compreender a natureza das grandes potências imperialistas que gostam de se apregoar ‘democráticas’ e detentoras de ‘valores’, mas cujo poder assenta sobre muitos milhões de mortos, rios de sangue e crimes sem paralelo na História mundial.

Acumulação original e expansão mundial do capitalismo

 Há mais de 150 anos, Marx escrevia n’«O Capital»(1): «A descoberta de terras de ouro e prata na América, o extermínio, escravização e encerramento da população nativa nas minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais(2), a transformação da África numa coutada para a caça comercial de peles-negras, assinalam a aurora da era de produção capitalista». A acumulação original de capital começara com a expropriação de vastas massas camponesas nos principais países europeus. Marx escreve: «Com isto surge o movimento histórico que transforma os produtores em operários assalariados, por um lado com a libertação destes da servidão [feudal] e da coacção das corporações. […] Mas por outro lado estes recém-libertos só se tornam vendedores de si mesmos depois de lhes serem roubados todos os seus meios de produção e todas as garantias da sua existência proporcionadas pelas velhas instituições feudais. E a história desta sua expropriação está inscrita nos anais da humanidade com caracteres de sangue e fogo. […] A chamada acumulação original nada é, portanto, senão o processo histórico de divórcio de produtor e meios de produção». Primeiro, no seio dos países mais avançados no processo de desenvolvimento capitalista, e mais tarde no plano mundial, com a pilhagem por estes de inteiros povos e regiões.

 Marx cita o seu contemporâneo inglês William Howitt: «As barbaridades e excessos desesperados da chamada raça cristã através de todas as regiões do mundo e sobre todos os povos que foi capaz de submeter não têm paralelo nas de qualquer outra raça, por mais selvagem, por mais inculta e por mais desprovida de piedade e vergonha, em qualquer idade da terra». E estavam ainda no futuro a expansão colonial da fase imperialista do capitalismo (transição Séculos XIX-XX)(3); os horrores das duas Guerras Mundiais e do nazi-fascismo; o holocausto atómico norte-americano de duas cidades japonesas; as chacinas anti-comunistas e anti-movimento de libertação nacional, como os que os EUA perpetraram na Indonésia em 1965.

Revolução de Outubro, libertação nacional e nazi-fascismo

 O ascenso do movimento operário – ou seja, dos expropriados do processo de acumulação original – no decurso do Século XIX, haveria de culminar na Grande Revolução Socialista de Outubro, na Rússia, em 1917. Essa Revolução foi também uma revolta contra um dos grandes crimes da História, a I Guerra Mundial, em que potências imperialistas em disputa por colónias e poder sacrificaram a vida de muitos milhões de trabalhadores.

 A Revolução de Outubro deu um impulso notável à luta do movimento operário. Grandes movimentos sociais e mesmo revolucionários sacudiram a Europa no final da guerra. A resposta das classes dominantes incluiu a promoção do fascismo, a mais violenta e bárbara expressão do capitalismo, que contou com larguíssimo apoio entre as classes dirigentes da maioria dos países. Esse filo-fascismo ficou patente quando a República Espanhola foi abandonada pelas ‘democracias liberais’ (com a ‘política de não intervenção’), face ao golpe militar fascista. A chamada Guerra Civil e os massacres do franquismo saldar-se-iam por um milhão de mortos.

 A ascensão do nazi-fascismo foi acompanhada pelo terror sobre as organizações do movimento operário e, em numerosos países (como a Alemanha ou Espanha), pela destruição física em larga escala dos seus membros. Conduziu directamente à II Guerra Mundial, com as suas dezenas de milhões de mortos e a barbárie dos campos de concentração nazis.

 A vitória histórica dos bolcheviques sob a direcção de Lénine e a sua política de apoio à libertação nacional dos povos colonizados teve um impacto decisivo no processo histórico de libertação nacional e social dos povos subjugados pelo imperialismo e colonialismo 4. Ao longo do Século XX foram derrubados os impérios coloniais de Inglaterra (o ‘Império sobre o qual o Sol nunca se punha’, que colonizava países gigantescos como a Índia, e parte importante de África e Ásia) e França (sobretudo em África e no Sudeste Asiático, então designado Indochina), mas também Holanda (potência colonial da Indonésia), Bélgica (cuja colonização do Congo foi um dos mais criminosos episódios da expansão mundial do capitalismo) e Portugal. A influência da Revolução de Outubro neste gigantesco processo de libertação nacional é visível no papel, muitas vezes determinante, que os partidos comunistas desempenharam na luta anti-colonial e anti-imperialista. Foi assim na Índia, Indonésia, Vietname, Coreia, Iraque, Malásia, Sudão, África do Sul, Síria e tantos outros. Foi também assim na gigantesca China, onde décadas de dominação semi-colonial, marcadas pelas Guerras do Ópio e as ‘concessões ocidentais’(5), ficaram conhecidas como o «Século da Humilhação». O historiador britânico John Newsinger escreve: «A atitude britânica para com a China foi talvez expressa da melhor forma por Palmerston [Primeiro Ministro inglês no Século XIX – NA] referindo-se à forma de lidar com ‘governos semi-civilizados como os da China, Portugal e a América espanhola’. Todos eles precisavam ‘de levar uma sova a cada oito ou dez anos para os manter no seu lugar… não precisam apenas de ver o cacete, precisam mesmo de o sentir nas suas costas’»(6). Cerca de século e meio depois, um dos agentes da política imperialista norte-americana repetia a mesma tese com palavras quase idênticas: «Uma vez em cada dez anos os Estados Unidos precisam de pegar num pequeno país de merda e atirá-lo contra a parede, só para mostrar ao mundo que falamos a sério»(7).

 Sob a influência decisiva dos comunistas, a libertação nacional fundiu-se com a libertação social de vastas massas, em particular de vastas massas camponesas que viram os seus meios de produção (nomeadamente a terra) ser-lhes devolvidos, num processo inverso ao da acumulação original descrito por Marx. Foi assim na China, Coreia e Vietname, mas também noutros países onde a libertação nacional não chegou a assumir a forma de Revolução Socialista.

O processo de libertação nacional e social ganhou particular expressão após a II Guerra Mundial, com o papel decisivo da URSS na derrota do nazi-fascismo e a alternativa económica apresentada pela criação dum sistema socialista. Mas cedo ficou patente que este processo seria tudo menos pacífico.

A ‘Guerra Fria’ como contra-ofensiva imperialista

 A 2 de Setembro de 1945, o grande dirigente comunista e nacional vietnamita, Ho Chi Minh, proclamava em Hanói a independência do Vietname, até então colónia francesa. Em 17 de Agosto desse mesmo ano, o dirigente nacionalista indonésio Sukarno proclamara a independência do seu grande país. A Síria fizera igual proclamação. Por toda a parte, surgia impetuoso o desejo de libertação nacional. As velhas potências coloniais entraram em acção para tentar travar o curso da História. Em Maio de 1945, poucos dias após o fim da II Guerra Mundial na Europa e poucos meses após a libertação da França da ocupação nazi, o governo francês mandava bombardear Damasco e o seu parlamento. A liberdade não era um conceito que a França ou Inglaterra liberal-burguesas aceitassem estender aos povos das suas colónias, como se comprovaria nos anos seguintes em numerosos países, da Argélia à Indochina, do Quénia à Malásia.

Na Indonésia, as tropas britânicas a mando do governo trabalhista de Attlee desembarcam em 1945 para impedir a independência e devolver a colónia à Holanda. «As forças nacionalistas foram desarmadas e dispersas e os Holandeses colocados de novo no mando. […] A resposta britânica provocou combates intensos que apenas terminaram com a chegada de reforços e o rearmamento dos japoneses»(8). Os inimigos fascistas da véspera eram agora aliados, como já acontecera na Grécia em 1944 e viria a acontecer à escala mundial nos anos da chamada ‘Guerra Fria’.

 Igual papel foi desempenhado pela Inglaterra no Vietname. Escassos quatro dias após a proclamação da independência por Ho Chi Minh, tropas inglesas desembarcavam no sul do Vietname, abrindo caminho ao regresso da potência colonial francesa que, a 23 de Setembro, «tomou o poder em Saigão […] prendendo grande número de vietnamitas». Um general francês agradeceu aos ingleses terem «salvo a Indochina francesa»(9). O agradecimento foi prematuro. Nove anos mais tarde, a França foi derrotada pelo exército popular vietnamita dirigido pelos comunistas de Ho Chi Minh e do lendário comandante militar Vo Nguyen Giap, na batalha de Dien Bien Phu (Maio 1954).

 Quando era impossível impedir a vaga de libertação nacional, aplicava-se a velha técnica imperialista de dividir para reinar. Antes de abandonar a Índia, os colonialistas ingleses promoveram a divisão entre as comunidades hindu e muçulmana que resultou em terríveis massacres e dividiu a antiga colónia em dois novos países, Índia e Paquistão (mais tarde três, com a criação do Bangladesh). Exímio na arte de dividir, o imperialismo inglês lançou as sementes de muitos conflitos que continuam hoje presentes, de Chipre à Palestina.

 A ‘democrática’ Bélgica (com a cumplicidade dos EUA) assassinou o herói da independência congolesa Patrice Lumumba em 1960(10) e promoveu a subversão que levaria ao poder o corrupto e sanguinário Mobutu, amigo de Mário Soares.

 Apesar dos seus esforços, nas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial, as velhas potências coloniais viram o poder escapar-lhes de mão. Os Estados Unidos, evitando a guerra no seu território, afirmou-se como o novo centro do capitalismo mundial. No pós-guerra era responsável por cerca de metade da produção industrial mundial, Além disso, tinha endividado o velho Império Britânico até ao ponto da subordinação(11). Trocando as velhas roupagens colonialistas por novas e mais sofisticadas formas de controlo neo-colonial (já ensaiadas na América Latina), os Estados Unidos cedo construíram uma vasta rede de afirmação do seu poder mundial. A nova aliança mundial anti-comunista englobava as forças fascistas derrotadas na II Guerra Mundial (em particular no seio das forças repressivas e militares, e nos exércitos secretos ao estilo Gládio) e ditaduras fascistas como a de Salazar, co-fundadora da NATO. O objectivo estratégico era o de contrariar a tendência crescente para a libertação dos trabalhadores e dos povos. Entre os seus alvos estavam forças que haviam encabeçado a resistência ao nazi-fascismo.

 Ainda a II Guerra Mundial não tinha acabado e tropas inglesas intervêm na Grécia, massacrando manifestantes desarmados em Atenas. A guerra por eles lançada e prosseguida pelos EUA contra o movimento de resistência anti-nazista grego, dirigido pelos comunistas, saldou-se pela morte de 150 mil pessoas. Foi na Grécia que os EUA usaram pela primeira vez o napalm(12).

 A contra-ofensiva restauradora imperialista, a que alguns chamam ‘Guerra Fria’, foi tudo menos ‘fria’. Um dos seus primeiros actos foi o lançamento das bombas atómicas sobre as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui (Agosto 1945), visando intimidar as forças do progresso social no pós-guerra. Os ataques nucleares provocaram a morte e sofrimentos atrozes em centenas de milhar de japoneses.

 Uma das mais mortíferas e bárbaras guerras do imperialismo teve lugar na Coreia (1950-53), procurando esmagar as forças patrióticas dirigidas pelos comunistas coreanos que conduziram a luta contra o ocupante japonês(13). O General norte-americano Curtis LeMay gabou-se: «”arrasámos praticamente todas as cidades, quer na Coreia do Norte, quer na Coreia do Sul”, “matámos mais de um milhão de civis coreanos e expulsámos vários milhões dos seus lares”»(14). O Professor de História norte-americano Bruce Cumings afirma(15): «a guerra provocou mais de 4 milhões de baixas, pelo menos metade das quais civis». O uso de armas biológicas pelos EUA durante esta guerra foi comprovado pela Comissão Científica Internacional que, sob o auspício do Conselho Mundial da Paz, visitou a Coreia e a China em 1952(16).

 Após a sua derrota em Dien Bien Phu, a França foi obrigada a assinar um acordo prevendo a independência do Vietname, com eleições gerais em 1956. Para impedir a realização das eleições, que se saldariam seguramente pela vitória das forças patrióticas encabeçadas por Ho Chi Minh, os Estados Unidos substituíram a França, numa escalada intervencionista que conduziu a outro grande crime histórico do imperialismo. Escreve um historiador britânico: «Praticamente não há crime de guerra que não tenha sido cometido pelos Estados Unidos no Vietname (a tortura e assassinato de prisioneiros, o massacre de civis, bombardeamentos indiscriminados, guerra química, até mesmo experiências médicas sobre prisioneiros)»(17). O uso indiscriminado de napalm e armas químicas como o agente laranja que ainda hoje, quase meio século após o fim da guerra, são responsáveis por numerosas mal-formações congénitas em crianças vietnamitas, é uma das marcas da ‘democrática’ intervenção dos EUA. Um jornalista norte-americano traça o balanço: «Os comunistas vietnamitas acabariam por vencer contra os americanos, mas com um custo tremendo. Três milhões de vietnamitas foram mortos nessa guerra e dois milhões deles eram civis. Muitos mais foram mortos no Camboja e Laos. Na Indochina, a cruzada anti-comunista de Washington varreu a vida numa escala verdadeiramente colossal»(18).

 Num interessante livro recentemente traduzido em Portugal, «O Método Jacarta»(19), o jornalista norte-americano Vincent Bevins traça um quadro da importância que tiveram os massacres e o extermínio brutal de alguns dos principais partidos comunistas e forças revolucionárias no chamado Terceiro Mundo. Bevins realça o massacre de «pelo menos um milhão de indonésios, talvez mais, [que] foram mortos como parte da cruzada global anti-comunista de Washington» e que destruiu (temporariamente) o terceiro maior Partido Comunista do mundo (após URSS e China)(20). Alicerçado no prestígio alcançado na luta pela independência, o Partido Comunista da Indonésia chegou a ter 3 milhões de membros e 17% dos votos expressos em eleições gerais (1955). Segundo Bevins, «os serviços secretos britânicos concluíam, em 1958, que se houvesse eleições, o Partido Comunista ficaria em primeiro lugar. Foram os militares, a força mais anticomunista no país, agora a construir uma parceria cada vez mais íntima com Washington […] que forçara o cancelamento das eleições planeadas para 1959». E foram os militares, sob a batuta de Washington, que em 1965 desencadearam uma das maiores chacinas políticas da História. A Embaixada dos EUA elaborou «listas com os nomes de milhares de comunistas e suspeitos de comunismo, e entregou-as ao Exército, para que essas pessoas pudessem ser assassinadas». A receita indonésia foi repetida, em escalas diferentes, em numerosos outros países com importantes Partidos Comunistas ou forças revolucionárias, como o Iraque (com Saddam Hussein então ao serviço dos EUA), Sudão, Brasil, Guatemala, Chile, Argentina, Irão. E foi repetida pelos militares golpistas indonésios em Timor-Leste.

 Com contornos próprios, o método foi ensaiado também em países do centro imperialista. Os massacres de dirigentes do movimento pelos direitos dos afro-americanos nos EUA (Malcolm X, Luther King, Panteras Negras), na sequência das perseguições macartistas contra os comunistas dos EUA nos anos 50, ou a violenta «estratégia da tensão» bombista e terrorista que provocou centenas de mortos na Itália dos anos 70-80, e que visou impedir a afirmação eleitoral dos comunistas italianos, são dois exemplos.

 O «Método Jacarta» não visou apenas a destruição de poderosas e influentes forças revolucionárias mas, simultaneamente, a destruição da perspectiva dum desenvolvimento económico soberano, liberto da pilhagem imperialista(21). Uma perspectiva a que a Indonésia independente e o seu Presidente Sukarno tinham dado um importante impulso, com a Conferência de Bandung de 1955 e a posterior criação do Movimento dos Não Alinhados.

Do ‘fim da História’ aos dias de hoje

 As contra-revoluções do final do Século XX alteraram profundamente a correlação de forças mundial. Os trabalhadores e povos foram colocados na defensiva. A nova realidade revelou de forma ainda mais clara a essência do imperialismo. O enfraquecimento considerável do movimento comunista e operário internacional não levou ao abrandamento das guerras de agressão, conspirações, subversão e ingerências. Pelo contrário. Dispondo duma superioridade militar quase hegemónica, as potências imperialistas com os EUA à cabeça lançaram-se numa ofensiva de recolonização do planeta (dispensando as responsabilidades que advêm dum domínio colonial aberto), agora sob a designação de ‘globalização’.

 Sentindo as mãos livres, EUA e UE avançaram na expansão da NATO. A guerra contra a Jugoslávia, que assinalou os 50 anos desse bloco militar, mostrou que se a URSS desaparecera, a agressividade do imperialismo não. É da sua natureza. Seguiram-se inúmeras guerras de agressão no Médio Oriente e zonas envolventes (Iraque, Afeganistão, Líbia, Líbano, Síria, Iémen), que transformaram a região do planeta mais rica em recursos energéticos num mar de sangue e destruição, com muitas centenas de milhar de mortos.

 Qualquer país que manifeste vontade de desenvolvimento soberano (Venezuela, Nicarágua, Cuba, Bolívia, Honduras, China, Rússia, Bielorússia, Irão, RPD Coreia, Síria e tantos outros) é sujeito a campanhas de subversão, bloqueio económico e guerras de agressão. Mesmo governos, como no Brasil pré-Bolsonaro, que não puseram em causa o «consenso de Washington» são considerados alvos a abater. Não se aceita a neutralidade, apenas a submissão. O campo de concentração e tortura de Guantanamo ainda hoje se mantém em funcionamento. Israel bombardeia impunemente o povo palestino, nomeadamente na mártir Gaza cercada há 15 anos. O centro imperialista ‘nomeia’ Presidentes de outros países (Guaidó na Venezuela). Pilham-se descaradamente as reservas de ouro e contas depositadas nos bancos dos países imperialistas (Venezuela, Afeganistão, Irão, Rússia). Assassinam-se dirigentes políticos, mesmo que tenham sido seus serventuários (como Saddam Hussein). O arbítrio é total e descarado.

 Mas tudo isto não evita a crise do sistema imperialista, patente na decadência económica de EUA e UE e que se tornou clara em 2007-8. Razões para que se reforcem as tentações duma resposta violenta por parte dos centros imperialistas. A promoção do fascismo, do autoritarismo e da censura nos nossos dias é, como no Século passado, inseparável dessa crise do capitalismo.

 O perigo duma catástrofe provocada pelo imperialismo é hoje evidente. Uma das mais perigosas expressões da agressividade imperialista é a estratégia de cerco e provocação permanente à Rússia capitalista, que após o fim da União Soviética socialista foi tratada como alvo a abater (dadas as suas gigantescas riquezas naturais, mas também num acto de ‘desforra’ histórica que o imperialismo pretende exemplar), o que conduziu à guerra na Ucrânia. As recentes provocações dos EUA em torno de Taiwan mostram que igual estratégia de desestabilização e guerra por procuração é seguida no que respeita à R.P.China, cujo crescimento económico (num contexto internacional em grande medida moldado pelo imperialismo e as suas estruturas financeiras) é um dos factos salientes do mundo actual e é encarado como uma «ameaça» pelas potências imperialistas que não a controlam.

 O total alinhamento da União Europeia nesta ofensiva dos EUA desmente as teses sobre um seu ‘contra-peso’ ao imperialismo norte-americano. Apesar de reais contradições (visíveis até na forma como os EUA conduziram a UE à louca política de sanções contra a Rússia, que está a destruir a economia da Alemanha e outros países), este alinhamento assenta no interesse comum das suas classes dirigentes em esmagar os povos, sonhando com o retorno à dominação mundial do passado. A UE gosta de proclamar o seu ‘modelo social’ (na realidade imposto pela luta dos povos), mas trabalha para a sua destruição e para retomar um modelo de capitalismo sem entraves, quer no plano interno, quer no plano externo.

 Os mecanismos de dominação não vivem apenas da violência, mas também do controlo ideológico e da propaganda. As avalanches de mentiras com que a comunicação social de regime nos brinda diariamente são disso expressão. Ao longo da História, sempre as vítimas da dominação do capital foram transformadas em ‘agressores’ ou ‘bárbaros’ e violentos. Foi assim com os índios norte-americanos enquanto eram exterminados pelos colonos europeus; com os africanos que eram arrancados às suas famílias para serem tornados escravos além-mar, ou que resistiam à colonização; com o suposto ‘perigo amarelo’ da China; com os milhares de Communards fuzilados após o esmagamento da Comuna de Paris; com os comunistas. É assim hoje com quem quer que resista ao imperialismo. Mas a mentira e a violência não deterão o curso da História. E o capitalismo, com o seu cortejo de crimes, injustiça e exploração, acabará derrotado pela luta dos trabalhadores e dos povos.

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Notas

(1) Volume 1, Capítulo XXIV, «A chamada acumulação original». As citações são retiradas das Obras Escolhidas de Marx e Engels, Tomo II, pp. 104-158, Ed. «Avante!»/Progresso, 1983.

(2) A designação ‘Índias Orientais’ refere-se à costa da Índia e arquipélagos, incluindo os modernos países da Indonésia, Malásia e Filipinas.

(3) A referência incontornável é o livro de Lénine O Imperialismo, fase superior do Capitalismo, Tomo 2, Obras Escolhidas em Seis Tomos, Ed. «Avante!»/Progresso, 1984.

(4) Já em 1920, em plena guerra de agressão imperialista contra a jovem Rússia Soviética, realizava-se em Baku o Congresso dos Povos do Oriente promovido pelos bolcheviques.

(5) Imortalizadas no livro Tintin e o Lótus Azul, com o – verídico – cartaz à entrada dum jardim de Xangai onde se lia: «Não é permitida a entrada a cães e chineses».

(6) John Newsinger, The Blood Never Dried, A People’s History of the British Empire, Bookmarks Pub., 2013, p. 66.

(7) Jonah Goldberg, «Baguedade delenda est», parte II, National Review, 23.4.02.

(8) John Newsinger, op. cit., p. 211-2.

(9) John Newsinger, op. cit., p. 209.

(10) O Assassinato de Lumumba, Ludo de Witte, Ed. Caminho, 2001.

(11) Para uma interessante história das rivalidades entre as duas super-potências anglo-saxónicas nesta passagem de testemunho inter-imperialista, veja-se Clive Ponting, 1940, Myth and Reality, Cardinal, 1990.

(12) Notes on the Greek Civil War, Partido Comunista da Grécia, 2006.

(13) O Militante, n.º 311, Março-Abril 2011.

(14) Targeting North Korea, de Gregory Elich, em http://www.globalresearch.ca/articles/ELI212A.html

(15) As citações seguintes são todas do livro de Cumings, The Korean War, 2010, Modern Library Edition.

(16) Relatório completo em https://medium.com/insurge-intelligence/the-long-suppressed-korean-war-report-on-u-s-use-of-biological-weapons-released-at-last-20d83f5cee54

(17) John Newsinger, op. cit., p. 234.

(18) Vincent Bevins, «O Método Jakarta», Temas e Debates, 2022, p. 221.

(19) Vincent Bevins, op. cit. Citações nas páginas 216, 114 e 195.

(20) O Militante n.º 338, Set./Out. 2015 e Indonesia 1965, The second greatest crime of the Century, de Deidre Griswold, disponível na Internet, em http://www.workers.org/indonesia/index.html

(21) A ligação íntima do gangsterismo anti-comunista com a pilhagem imperialista é também ilustrada no livro Confessions of an Economic Hit Man, de John Perkins, Plume Book, 2006.

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Fonte: https://www.omilitante.pcp.pt/pt/380/Internacional/1923/Crimes-do-capitalismo-%E2%80%93-apontamentos-sobre-passado-e-presente.htm?tpl=142

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[Artigo tirado do sitio web portugués ODiario.info, do 20 de outubro de 2022]