Capital globalizado e liderança nacional

Prabhat Patnaik - 18 Out 2023

O facto de esta nova geração de líderes europeus ter sido executiva de empresas de origem americana não tem a ver com o facto de promoverem os interesses americanos à custa dos interesses do seu próprio país, mas sim com o facto de não estarem vinculados a quaisquer considerações de interesses nacionais; em vez disso, defendem e promovem os interesses do capital globalizado

 Uma das questões mais intrigantes da atualidade é saber por que razão a liderança política da Europa se tornou cúmplice do que parecem ser os esforços dos EUA para minar as economias europeias. O conhecido jornalista de investigação americano Seymour Hersh, depois de já ter apresentado provas de que os Estados Unidos foram responsáveis pela explosão do gasoduto Nord Stream, revelou agora que essa explosão nem sequer estava ligada à guerra na Ucrânia; tratou-se de uma ação deliberada por parte da administração Biden para garantir que a Europa permanecesse dependente do gás dos EUA, apesar de ser muito mais caro, em vez de se tornar dependente do gás russo, que é muito mais barato. O rebentamento do gasoduto não foi, portanto, apenas um ataque às economias da UE, especialmente à Alemanha, cujos custos de produção iriam aumentar de forma generalizada por causa disso; foi também uma subversão direta de uma política que o próprio governo alemão havia lançado. E, no entanto, nenhum dirigente político alemão criticou, nem sequer desaprovou, em linguagem diplomática educada, este ato de sabotagem económica contra a Alemanha.

 Além disso, antecipando o momento em que os custos mais elevados da energia começariam realmente a pesar (quando terminarem os actuais subsídios concedidos pelo Governo alemão para compensar o aumento do preço da energia), e tendo em conta as perspectivas energéticas geralmente incertas, está a ocorrer uma deslocalização da produção da Alemanha para os Estados Unidos. E, no entanto, nenhum dirigente político alemão se queixa deste ataque descarado à economia alemã. A questão é: porquê?

 Embora uma resposta adequada deva aguardar uma investigação mais aprofundada, um elemento da resposta parece claro, nomeadamente, que um grande número de políticos europeus tem estado na folha de pagamentos de empresas gigantes de origem americana; estão integrados numa oligarquia financeira internacional associada ao capital globalizado e têm pouca preocupação com os interesses nacionais.

 Rudolf Hilferding, na sua obra clássica Das Finanzkapital, falava de uma união pessoal entre os magnatas dos bancos e os da indústria, constituindo a oligarquia financeira. A oligarquia financeira também tinha uma união pessoal com o pessoal do Estado, através da qual os mesmos indivíduos migravam com facilidade de um estabelecimento para o outro; este era um dos mecanismos que assegurava que a política do Estado era sempre enquadrada de forma a promover os interesses da oligarquia financeira.

 No entanto, Hilferding estava a escrever no contexto de capitais financeiros nacionais. Na era da globalização, em que o capital financeiro se globalizou, enquanto o Estado continua a ser um Estado-nação, a união pessoal entre o pessoal do Estado e o capital financeiro internacional para promover os interesses deste último tem necessariamente de significar um certo grau de despreocupação por parte do pessoal do Estado em relação à condição da própria nação, o que basicamente significa a condição do povo trabalhador dentro da nação. E é isto que realmente encontramos.

 Os exemplos de união pessoal entre os atuais líderes políticos europeus e as corporações globais, muitas delas originárias da América, são bastante impressionantes. Friedrich Merz, o líder dos democratas-cristãos na Alemanha e, nessa qualidade, o líder da oposição na Alemanha, tem vastos interesses empresariais, é multimilionário e fez parte de vários conselhos de administração, incluindo a empresa de investimento americana Black Rock. O atual Presidente da França, Emmanuel Macron, foi banqueiro de investimento no grupo financeiro Rothschild, onde intermediou um acordo entre a Nestlé e a Pfizer, que levou à aquisição da divisão de alimentos para bebés da segunda.

 O exemplo mais recente e mais descarado encontra-se na Grécia, onde Stefanos Kasselakis, um executivo da Goldman Sachs, o banco de investimento americano, acaba de ser eleito líder do Syriza, um partido supostamente de esquerda que esteve no poder anteriormente e é atualmente o maior partido da oposição. Kasselakis nunca esteve na política, não sabe quase nada sobre os problemas da Grécia, não tem qualquer familiaridade ou afinidade ideológica com a esquerda e, de um modo geral, evitou levantar quaisquer questões importantes durante a sua campanha eleitoral. A sua eleição foi possível graças à alteração dos estatutos do partido Syriza, de modo a que qualquer pessoa se pudesse tornar membro do Syriza a curto prazo e, por conseguinte, elegível para votar na disputa pela liderança. É muito provável que Kasselakis seja eleito o próximo primeiro-ministro da Grécia; de facto, este foi o seu principal argumento de venda durante a campanha eleitoral para a liderança do Syriza.

 O facto de esta nova geração de líderes europeus ter sido executiva de empresas de origem americana não tem a ver com o facto de promoverem os interesses americanos à custa dos interesses do seu próprio país, mas sim com o facto de não estarem vinculados a quaisquer considerações de interesses nacionais; em vez disso, defendem e promovem os interesses do capital globalizado. A sua posição como executivos de empresas torna-os comprometidos com os interesses do capital globalizado e, por conseguinte, comprometidos com a defesa política do capital globalizado, que acreditam só poder ser assegurada pela unidade entre os Estados imperialistas. A unidade trans-atlântica ocupa, portanto, um lugar muito mais importante nas suas mentes do que ocupava nas mentes de uma geração anterior de políticos europeus.

 Estamos a assistir ao aparecimento de um novo tipo de político, fora do círculo fascista, nos países imperialistas; e isso é mais evidente na Europa, de que o britânico Tony Blair foi um dos primeiros exemplos. Estes políticos são muitas vezes oriundos do mundo empresarial, e muitas vezes andam para trás e para a frente entre o mundo empresarial e o mundo político. Não têm outra ideologia que não seja um compromisso com o neoliberalismo e uma profunda hostilidade para com a classe trabalhadora, mesmo quando pertencem nominalmente à esquerda ou a partidos de centro-esquerda: Tony Blair foi primeiro-ministro trabalhista, Emmanuel Macron foi ministro das Finanças de um governo "socialista" e Kasselakis foi eleito para liderar um partido de "esquerda". E, como é óbvio, estão pouco preocupados com os interesses das nações que lideram.

 São, em suma, completamente diferentes dos De Gaulle e dos Willy Brandt de outrora, que tinham ideologias, embora diferentes umas das outras, que trabalhavam em função dos seus interesses nacionais, tal como os entendiam, e que estavam dispostos a enfrentar os americanos. Para além dos seus antecedentes políticos, e não empresariais, tinham também atitudes mais consentâneas com um período anterior à hegemonia do capital financeiro globalizado.

 A unidade dos Estados imperialistas parece ser particularmente urgente para esta nova safra de políticos de origem empresarial, num período de crise para o capitalismo (neoliberal). O que muitas vezes é visto como uma ameaça ao capitalismo metropolitano, decorrente da tendência rumo à "multipolaridade", passa ao lado deste contexto de crise capitalista; cerrar fileiras entre Estados imperialistas é visto como um meio essencial para sobreviver ao desafio que provavelmente surgirá, tanto da classe trabalhadora nacional como do terceiro mundo, face a esta crise.

 Esta procura de unidade entre os Estados imperialistas, mesmo à custa dos "interesses nacionais", abre, no entanto, o caminho para a ascensão do fascismo nos países metropolitanos, uma vez que os elementos fascistas continuam a falar de "interesses nacionais" e, por conseguinte, continuam a ter um impacto na classe trabalhadora. Por outro lado, quando chegam ao poder, alinham-se com o grande capital nacional e seguem as mesmas políticas económicas e externas que os governos burgueses liberais anteriores; o caso de Meloni em Itália apenas confirma esta afirmação. Mas quando estão na oposição, invocam a nação e projetam-se como seus defensores.

 Esta é a estratégia do capital globalizado "cara eu ganho, coroa tu perdes" na metrópole, face à crise. A ideia é isolar a política na metrópole dentro do binário de uma escolha "fascismo versus burguesia liberal". Os governos burgueses liberais, cujos líderes são eles próprios executivos de empresas, mobilizam-se em defesa do capital globalizado através da promoção de uma unidade entre os Estados imperialistas; se forem rejeitados pelo povo, então a única alternativa que se apresenta ao povo é a alternativa fascista, que invoca a nação mas cumpre as ordens do capital globalizado. A sua invocação da nação assume a forma, não de oposição ao capital globalizado, mas de oposição aos imigrantes, contra os quais, à maneira tipicamente fascista, desperta a ira popular, responsabilizando-os pelas dificuldades enfrentadas pela maioria dos trabalhadores, devido à crise capitalista. Cabe à esquerda autêntica, e não àquela liderada por executivos de empresas, expor e derrotar esta estratégia "cara eu ganho, coroa tu perdes" do capital globalizado.

 

 

[Artigo tirado do sitio web portugués Resistir.info, do 13 de outubro de 2023]