Brasil: O sentido histórico das eleições de outubro
O Brasil se encaminha para mais uma decisão histórica. Está entre dois veios, o progressista e o conservador, que ao longo da história demarcou nitidamente os universos do povo e da elite. Para essas eleições, dos programas da direita o que tem mais projeção é o de Bolsonaro. É o mais nefasto, de viés abertamente fascista
O Brasil sempre esteve, de alguma forma, receptivo a um projeto de desenvolvimento com progresso social. A votação do povo em propostas que contrariam essa lógica se deve a manobras politiqueiras sem escrúpulos dos aparelhos ideológicos da direita, em especial a mídia. Ninguém do extrato social da grande massa de brasileiros votaria conscientemente na chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão, por exemplo, se soubesse exatamente o que o seu programa de governo representa. É o mais radical dos programas da direita, o que mais defende ataques aos direitos do povo, se preciso for com a aplicação dos métodos verbalizados por Bolsonaro e Mourão. Ou seja: o arbítrio e a violência.
Nesse ambiente, a conceituação de direita e esquerda renova seu sentido histórico e classista. De um lado está o pensamento elitista e excludente, que privilegia a acumulação da riqueza em relação à sua distribuição, a ordem macroeconômica em relação à qualidade de vida dos indivíduos, a benesse de poucos em relação ao bem-estar de todos. De outro lado, está o pensamento que considera o todo e busca incluir, que visa aumentar e distribuir a riqueza, que eleva a qualidade de vida dos indivíduos à condição de prioridade econômica, que privilegia os consumidores em relação aos monopólios financeiros, o bem-estar de todos em relação ao acúmulo de alguns.
Potencial destrutivo
Apesar dos esquemas políticos que ao longo da história aprisionaram o Estado e fizeram dele uma trincheira para impedir a construção de uma sociedade democrática e progressista, não foram poucos os avanços nos interregnos em que a direita deixou de ser a força hegemônica no poder. Saltos civilizatórios como a Independência, a Abolição, a República, a Revolução de 1930, as constituições de 1946 e de 1988 e o ciclo Lula-Dilma são o arcabouço do Brasil moderno, sempre na mira de programas como o de Bolsonaro e Mourão.
Nessa trajetória, houve uma luta dura contra a herança escravagista, que em certos períodos ganhou contornos dramáticos, especialmente no Estado Novo e no regime militar de 1964. Mais uma vez, o país se depara com um enorme obstáculo para levar adiante sua vocação desenvolvimentista — o golpe de 2016 e as suas variações expressas nos programas da direita, em especial no de Bolsonaro e Mourão —, mas tem chance de superá-lo nas urnas. Essa é a grande encruzilhada histórica que se apresenta nessas eleições, indicando caminhos nitidamente opostos — um, que se liga às conquistas democráticas e progressistas; e outro, que mostra seu explícito viés entreguista e autoritário.
O catastrófico resultado do golpe, que em pouco tempo mostrou seu potencial destrutivo, liquidando muitos direitos do povo e atacando alguns fundamentos da nação — sobretudo a entrega do pré-sal —, se encarregou de descontruir muito das quimeras e das ficções conservadoras. Com isso, emergiu essa dicotomia polarizando nitidamente as intenções de votos, revelando um claro antagonismo que ganhou espaço no centro da discussão política como pano de fundo dos reais problemas do país, que tendem cada vez mais a serem vistos na sua essência.
Herança do escravismo
Com essa definição, fica evidente que um caminho definido de desenvolvimento depende da formação de um bloco político capaz de reunir as forças interessadas em reascender as esperanças econômicas e sociais do povo. Os defensores dessa ideia sempre insistiram num amplo esforço para erradicar as bases históricas do autoritarismo e assim começar a moldar um projeto verdadeiramente nacional. Apontam que a consolidação de uma democracia de massas e de progresso social esbarra na existência de estruturas econômicas e sociais historicamente impostas pelo poder econômico, brasileiro e internacional.
O nosso perverso padrão de distribuição de renda, herança do escravismo, manifesta-se, basicamente, por três mecanismos dessas estruturas: brutal transferência de renda do setor público para o setor privado (com destaque para o mercado da dívida pública, o rentismo), transferência de renda dos salários para lucros e juros, transferência de renda de dentro para fora do país.
Meta imediata
A vitória da chapa Fernando Haddad-Manuela d’Ávila seria uma inequívoca manifestação popular contra esse esquema. Seu programa de governo define isso claramente ao defender o projeto de desenvolvimento nacional com progresso social. Ele é a antítese do projeto neoliberal e neocolonial. Expressa a acumulação de forças desse bloco político progressista e uma resposta à crise profunda do padrão tradicional de acumulação e financiamento da economia brasileira, que ganhou força com o golpe.
A derrocada dessa tradição autoritária no Brasil, contudo, passa pela consolidação de um projeto de sociedade fundado na mais ampla democracia. Ou seja: direita e esquerda, que sempre pintaram suas bandeiras com cores nítidas, enfrentam-se com projetos claramente opostos para o país. Uma tradição que vem desde antes da disputa ideológica típica do século XX (desenvolvimentismo e conservadorismo), quando no Brasil já havia o choque do contemporâneo com o obsoleto.
Programa de 2002
A história do movimento partidário imperial — principalmente no auge das disputas entre monarquistas e republicanos, quando os últimos fundaram mais de 300 clubes no ano e meio decorrido entre a Abolição e a República — guarda perfeita simetria com o atual estágio em que as forças políticas conservadoras reproduzem a forma como as oligarquias trataram o povo ao longo do período republicano. Ainda hoje pouco se sabe a respeito da atividade política popular contra a monarquia, registrada em muitos jornais republicanos, e do fio condutor das ações progressistas do século XX com as lutas que se vinham travando por um futuro melhor desde antes da proclamação da República — resultado da contumaz ação autoritária das forças conservadoras.
As eleições deste ano são mais um passo que concorre para agrupar no plano político as correntes progressista e conservadora. As eleições estão evidenciando a necessidade de unir para a ação conjunta todos os setores democráticos e populares, tendo como meta imediata a derrota do fascismo e a defesa da democracia. A grande massa do povo brasileiro se integrará conscientemente nesse projeto, como fez em 2002, à medida que ver claramente a relação entre seus interesses vitais e a defesa dos interesses gerais da nação.
[Artigo tirado do sitio web brasileiro Vermelho, do 3 de outubro de 2018]