Brasil: A tentativa de restauração neoliberal

Pedro Carrano - 15 Abr 2016

Mesmo com a derrota do golpe, a pressão seguirá grande pela restauração neoliberal, pela quebra dos serviços públicos e do papel do Estado, pelos cortes nas esferas municipal e estadual e pela mudança na previdência

 É preciso fazer um resgate das consequências das medidas neoliberais entre a população na América Latina.

 O pano de fundo da luta política hoje no Brasil é a tentativa de restauração do programa neoliberal.

 Esta é a mensagem das propostas de Michel Temer (PMDB), expressas no documento “Uma ponte para o futuro”, ainda em outubro de 2015, que prega o arrocho salarial, a desvinculação de investimentos obrigatórios em Saúde e Educação, previstos na Constituição, e uma redefinição do papel do Estado na economia.

 Vários projetos que tramitam hoje no Congresso também apresentam propostas nessa linha. Os setores que defendem o impeachment e golpe parlamentar, - a oposição derrotada em 2014, a mídia monopolista, o judiciário e, recentemente, federações empresariais –, devem sustentar uma coalizão em torno desse programa.

 Mas é preciso fazer um resgate das consequências dessas medidas entre a população na América Latina. Entre o final da década de 80 e anos 2000, revoltas populares estouraram nas ruas contra a situação de aumento da desigualdade social, quando presidentes que aplicaram o neoliberalismo foram – literalmente – derrubados e banidos na Argentina (2001), Bolívia (2003 e 2005) e Equador (2000 e 2005).

 Noutros países, pelas urnas, candidatos não alinhados com o neoliberalismo venceram na Venezuela, Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru, Nicarágua, El Salvador e Honduras. Na Colômbia, o grupo do direitista Álvaro Uribe foi derrotado para Santos, um candidato mais moderado.

 Mudanças sociais e medidas desenvolvimentistas ocorreram nesses países, dentro da correlação de forças, cultura política e luta popular de cada país.

 Por outro lado, em países onde perdurou o programa neoliberal, caso do México, temos hoje uma sociedade em vias de desintegração, um Estado destruído e um quadro de violência extrema contra pobres e movimentos sociais.

 No Brasil, desde 2003, os governos do PT trouxeram novo papel de investimento estatal e fomento a partir de instrumentos do Estado e nos programas sociais. Embora uma série de amarras do neoliberalismo se mantiveram na economia: a alta taxa de juros, a desindustrialização, a reserva de pagamento para os juros da dívida pública (superávit primário), e as amarras de uma dívida pública interna que agora a oposição usa como crítica ao governo de forma oportunista – uma vez que nunca a combateu.

 Para a implantação de medidas neoliberais, não podemos esquecer também que governos costumam usar o expediente da violência se necessário para sua aplicação – mesmo se na contramão da vontade popular. Seu primeiro experimento na América Latina foi justamente no Chile de Pinochet, na década de 1970. Ou seja, numa ditadura sangrenta.

 Ou então podemos lembrar da publicidade recente do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), ressaltando a suposta coragem de aplicação de cortes de gastos no estado – isso mesmo às custas de mais de 200 feridos no chamado “Massacre do Centro Cívico”, no dia 29 de abril de 2015.

 Por isso, a tentativa de restauração do neoliberalismo na América Latina deve ser repudiada. No Brasil, a energia das ruas está crescendo na defesa de direitos e pela democracia, explicando os riscos colocados em caso de golpe parlamentar.

 É preciso manter essa mobilização, uma vez que, mesmo com a derrota do golpe, a pressão seguirá grande pela restauração neoliberal, pela quebra dos serviços públicos e do papel do Estado, pelos cortes nas esferas municipal e estadual e pela mudança na previdência.

 Essa força social deve pressionar por um projeto de reformas sociais, dentre as quais as Reforma Política e a Constituinte sejam o carro-chefe desse processo.

 Certamente, esse processo terá mais apoio dos jovens, dos trabalhadores, dos artistas e da classe média progressista. Os atos do dia 18 e 31 de mostram que há muito mais gente ainda a somar.

 

[Artigo tirado do sitio web ‘América Latina en Movimiento’, do 13 de abril de 2016]