Branqueamento de capitais e Europa do capital

Miguel Viegas - 26 Xan 2017

Como é evidente e a realidade demonstra, atribuir às instituições e em particular ao sistema financeiro, o papel central na luta contra o branqueamento de capitais é um pouco como meter a raposa no galinheiro

A luta contra o branqueamento de capitais tem sido apresentada como uma prioridade de várias instâncias internacionais (FMI, OCDE, G20, União Europeia entre outros). Note-se que esta preocupação nem é recente. A criação, pelo G7 em 1989, do GAFI (Grupo de Acção Financeira) marca, não o início das preocupações relativamente a esta questão, mas antes o primeiro acto concreto em termos de concertação internacional para combater o branqueamento de capitais.

 Lamentavelmente, a criação deste GAFI e o coro de preocupações sobre este fenómeno não impediu que ele crescesse de forma exponencial ao longo das últimas décadas, representando hoje entre 2 a 3% no PIB mundial (qualquer coisa como 1,2 milhões de milhões de euros por ano).

 As actividades ilícitas geram muito dinheiro. Quando falamos de actividades ilícitas, estamos a falar de um expecto muito alargado de actos que abrange a corrupção, o tráfico de drogas ou de seres humanos, passando ainda pela fraude fiscal entre muitas outras actividades. A lavagem ou branqueamento de capitais consiste na colocação destas importantes somas de dinheiro sujo no circuito legal e representa um verdadeiro desafio para o criminoso.

 A União Europeia, seja em função dos sucessivos escândalos de fraude fiscal, seja pela necessidade de mostrar serviço no quadro da luta contra o terrorismo (e o seu financiamento), não quis ficar atrás nesta matéria. Desta forma, já vamos na quinta directiva anti branqueamento de capitais, sem que isto tenha trazido qualquer resultado minimamente palpável (a primeira directiva é de 1991). Estima-se que apenas sejam recuperados cerca de 1% do dinheiro sujo introduzido nos circuitos legais. Será incompetência ou falta de vontade política? Para nós, comunistas, a resposta está na natureza do sistema e nas suas contradições.

 Todas estas directivas, assim como as próprias orientações do Grupo de Acção Financeira assentam basicamente em dois pilares. O primeiro abrange o chamado dever de diligência e de vigilância e o segundo trata da transparência. Ao nível do primeiro pilar, podemos resumir as directivas numa longa lista de instituições passíveis de serem usadas para lavagem de dinheiro, ficando estas vinculadas a um conjunto de obrigações perante as autoridades nacionais com competências no combate ao branqueamento de capitais. Estas obrigações consistem nos chamados deveres de diligência e de vigilância. Desta forma, e de acordo com as directivas, instituições tais como os casinos, as instituições financeiras, casas de câmbio, imobiliárias, advogados (a lista é muito mais longa...) ficam com a obrigação de reportar movimentações suspeitas e manterem um sistema de vigilância para as detectar. Qualquer transacção bancária superior a dez mil euros, ou pagamentos em espécie superiores a três mil euros devem ser investigados e comunicados às autoridades competentes. O segundo pilar consiste basicamente no levantamento do sigilo bancário e na necessidade de manter um registo acessível sobre as pessoas que controlam as empresas, fundos ou outros veículos jurídicos destinados a serem usados para transferir capitais.

 Como é evidente e a realidade demonstra, atribuir às instituições e em particular ao sistema financeiro, o papel central na luta contra o branqueamento de capitais é um pouco como meter a raposa no galinheiro. Não é precisa grande argúcia para entender o conflito de interesse destas instituições que, na prática, fazem negócio com aqueles que supostamente deveriam denunciar. Quanto à transparência, como esperar resultados práticos quando sabemos que os paraísos fiscais são uma criação dos países ricos destinados precisamente a garantir o anonimato dos multimilionários que acumulam fortunas à custa dos trabalhadores e na generalidade das populações? Nesta medida a 4.ª directiva prevê uma lista dos chamados países terceiros de alto risco para os quais prevê controlos reforçados. Uma lista inicial foi adoptada pela Comissão Europeia no Verão de 2016. Ela fala por si: Afeganistão, Bósnia e Herzegovina, Guiana, Iraque, Laos, Síria, Uganda, Vanuatu, Iémen, Irão e Coreia do Norte. Mais recentemente a Comissão Europeia propôs alterar a lista retirando a Guiana. Se o assunto não fosse sério, isto merecia uma nomeação para a maior palhaçada do ano!

 O único e verdadeiro combate contra o branqueamento de capitais deverá passar obviamente pelo controlo dos movimentos de capitais, pelo controlo público sobre o sistema financeiro e pelo fim dos paraísos fiscais, designadamente aqueles que existem aqui mesmo no coração da Europa!

 

[Artigo tirado do sitio web portugués Avante, núm. 2.252, do 26 de xaneiro de 2017]