Bielorrússia, o que está em causa

Luís Carapinha - 27 Ago 2020

No plano geopolítico, os objectivos do imperialismo na crise bielorrussa, coincidente com manobras hostis da NATO, são ambiciosos: esvaziar a soberania e cortar as relações cruciais de Minsk com a Rússia e a China

 Os promotores da tentativa de golpe de Estado na Bielorrússia não desistem do objectivo antipopular de mudança de regime. Apesar da cada vez maior evidência que a Maidan bielorrussa tem a asa quebrada, procuram ainda provocar um ponto de ebulição que abrisse portas ao cenário de derradeiroassalto, tão almejado em Varsóvia e Vilnius, praças avançadas de uma operação cujos fios condutores levam invariavelmente aos EUA.

 O arsenal de acções subversivas é abundante e os vasos comunicantes com outras experiências desestabilizadoras levadas a cabo pelo imperialismo não passam despercebidos aos mais atentos. Por exemplo, as ameaças de terror contra membros das forças da ordem, jornalistas e funcionários públicos e governamentais inspiram-se no expoente máximo da metodologia que há menos de um ano depôs Evo Morales na Bolívia. O guião do golpe sangrento da Maidan em Kiev permanece omnipresente, mas a Bielorrússia não é a Ucrânia, onde as milícias neonazis marcham hoje nas ruas sob a auréola do poder.

 O imperialismo nunca se conformou com a chegada ao poder de Lukachenko, um outsider eleito em 1994 com mais de 80 por cento dos votos e, grosso modo, nunca lhe reconheceu legitimidade. Percebe-se porquê. Uma das repúblicas fundadoras da URSS, a Bielorrússia foi palco do acto final de desmantelamento da pátria soviética, através do inconstitucional acordo de Belovej rubricado por Iéltsin e os responsáveis ucraniano e bielorrusso. Contudo, o curso de assalto à propriedade estatal e terapia de choque sob jurisdição do FMI e dos gurus do neoliberalismo, de calamitosas consequências sociais e políticas, foi revertido com a mudança de poder de 1994.

 A bandeira erguida pelos colaboracionistas da ocupação nazi, reposta após o final da URSS e que hoje é empunhada nas manifestações da oposição, foi substituída em referendo pela actual verde-rubra (com um apoio de 75 por cento). Aquilo que se afigurava uma missão impossível tornou-se realidade na Bielorrússia. No período mais agreste da correlação de forças mundial, rodeada de um mar capitalista, o pequeno país conhecido como a «oficina de montagem» da URSS, logrou impedir a privatização e destruição dos principais sectores da economia, das cooperativas e explorações agrícolas às grandes empresas industriais. Nos sectores produtivos estratégicos a propriedade pública foi mantida. Modernizou, a pulso, as capacidades produtivas. Em consequência, o PIB per capita bielorrusso é superior ao da Rússia e o dobro do da Ucrânia. O nível de desigualdade social do país é inferior ao de qualquer um dos membros da UE (Bloomberg, 27.11.2019).

 No plano geopolítico, os objectivos do imperialismo na crise bielorrussa, coincidente com manobras hostis da NATO, são ambiciosos: esvaziar a soberania e cortar as relações cruciais de Minsk com a Rússia e a China. Não é segredo que sectores poderosos da classe dominante russa sempre abominaram o modelo bielorrusso, mas o Kremlin sabe que os custos para a segurança nacional da imposição de uma real mudança de poder serão sempre muito elevados. Os desafios colocados à liderança e povo bielorrussos são enormes. O tempo não pára e na nova bifurcação da história, a defesa da soberania e da via do progresso social exigem o aprofundamento multifacetado da democracia e a organização e participação activa dos trabalhadores bielorrussos.

 

 

[Artigo tirado do sitio web portugués Avante, núm. 2.439, do 27 de agosto de 2020]