Bases da NATO na Europa e a ameaça das armas nucleares
A NATO não é um instrumento de construção da Paz, mas sim de subjugação política e militar, e instrumento de guerra para que os seus membros europeus têm sido convocados a combater na Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia...
A NATO NA EUROPA HOJE [1]
A NATO detêm forte presença na Europa, em todos os azimutes. A sua infraestrutura compreende cerca de 50 bases militares norte-americanas dispersas por 12 países, mas muitas mais a nível de detalhe mais fino. A nível mais elevado, o comando global está cometido ao Comando Operacional Aliado (ACO) em Bruxelas. Outras estruturas de comando estão localizadas na Noruega (Joint Warfare Centre), Polónia (Joint Force Training Centre), Portugal (Joint Analysis and Lessons Learned Centre), Itália (Undersea Research Centre), Países Baixos (Joint Force Command), Alemanha (Airborn Warning Control System), etc.
A partir da cimeira de Praga (2002), EUA prosseguiram arranjos bilaterais, designadamente com a Polónia e a República Checa, para o projeto de instalar um sistema de rastreamento conjugado com um sistema de lançamento de mísseis intercetores de longo alcance. Na cimeira de Bucareste (2008) foi assumida a intenção de reforçar os meios existentes com ativos estado-unidense e europeus para instalar um sistema antimíssil balístico integrado, abarcando todo o espaço NATO. Em Setembro de 2009, a Agência dos EUA Missile Defense Agency (MDA) anunciou um programa para implementação de um sistema antimíssil na Europa, denominado European Phased Adaptive Approach for European BMD – EPAA, que veio a ser adotado pela NATO na cimeira de Lisboa (2010).
Em Setembro de 2011 foram sucessivamente anunciadas a instalação de bases terrestres de mísseis intercetores SM-3 na Roménia e na Polónia; e uma estação de rastreamento radar na Turquia. Entretanto, o sistema antimíssil compreende já um ramo naval, com quatro destroyers dotados de sistema Aegis baseados em Espanha, e ainda, uma base de comando e controlo localizada na Alemanha (Ramstein Air Base). Este sistema antimíssil balístico (ABM) inscreve-se no quadro do referido programa European Phased Adaptive Approach, e visa antecipar um hipotético ataque sobre estados europeus da NATO por mísseis de curto e médio alcance (até 5000 km).
Em Outubro de 2015 ao largo da Escócia, meios aeronavais e mísseis, da NATO e de dez estados membros, realizou pela primeira vez e com anunciado êxito um exercício de fogo real em “defesa balística marítima” que, segundo o representante da Marinha norte-americana, deverá tornar-se rotina anual.
PELO DESARMAMENTO NUCLEAR GERAL E CONTROLADO [2]
O Tratado de não-Proliferação de armas Nucleares - NPT, assinado em 1968, visa prevenir a proliferação (vertical e horizontal) de armas nucleares, alcançar o desarmamento, e promover o acesso às aplicações pacíficas da energia nuclear, estabelecendo salvaguardas sob a responsabilidade da AIEA, entretanto já constituída por decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1956. Esse tratado é uma peça fundamental na ordem e para a Paz mundial. Designa cinco estados detentores de armas nucleares, os mesmos que têm assento permanente no Conselho de Segurança. Embora a adoção quase universal deste Tratado, quatro estados não aderiram e desenvolveram no entretanto armas nucleares – India, Paquistão, Coreia do Norte e Israel.
A par do NPT, o Tratado para a Interdição de Testes nucleares é um instrumento fundamental para conter a ameaça nuclear. Em 1963 o Tratado para a Interdição Parcial de Testes nucleares (PTBT) proibiu testes de armas nucleares na atmosfera e subaquáticos, com vasta adesão e duradouro impacto político, militar e ambiental. Em 1996, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou por ampla maioria a atualização do PTBT em vigor por um Tratado para a Interdição Completa de Testes nucleares (CTBT), alargando a proibição à realização de testes subterrâneos. Foi constituída com sede em Viena a Organização (CTBTO) com mandato para verificar o seu cumprimento, estabelecer rede de estações de monitorização e centro de recolha de dados, e desenvolver meios de inspeção; mais de trezentos dispositivos integram essa rede à volta do mundo, sendo os dados processados e facultado aos estados signatários. Mais de 180 estados subscreveram este Tratado. Em seu anexo 2 nomeia os 45 estados que o negociaram e são detentores de tecnologia nuclear, estados cuja adesão é condição necessária à sua entrada em vigor, o que ainda não aconteceu, posto que três deles ainda não o subscreveram – India, Paquistão, Coreia do Norte – e cinco não o ratificaram – EUA, China, Irão, Israel, Egipto. Todos os estados Europeus, de Leste a Oeste, o ratificaram; no quadro da NATO, os EUA destacam-se por serem o único a não o ter ratificado.
ESFORÇOS PELO DESARMAMENTO, COMPROMETIMENTOS PARA A GUERRA [3]
A redução dos ativos nucleares acumulados durante a guerra fria são uma outra via necessária para alcançar o desarmamento nuclear. Ao longo das décadas de 70 e 80, EUA e URSS mantiveram negociações no sentido da limitação coordenada dos respetivos meios ofensivos nucleares, quando os ativos das duas grandes potências somavam já 30 mil ogivas nucleares. O processo negocial (SALT I) conseguiu em 1972 um Acordo Interino para limitação de armas ofensivas e um Tratado para limitação de sistemas antimíssil balístico (ABM). Em 1979 foi alcançado o Tratado para a limitação de armas ofensivas estratégicas (SALT II), este já consagrando a redução do número de ogivas e de veículos lançadores, restrição do uso de veículos de reentrada com ogivas e alvos múltiplos (MIRV), e medidas de verificação. Todavia este tratado, embora contribuindo para manter abertas as vias de negociação e antecipando resultados futuros, não chegou a ser ratificado pelos EUA.
Um Tratado para a redução e limitação de armas ofensivas estratégicas (START I) foi finalmente acordado em 1991. No entretanto, com a dissolução da URSS, e na perspetiva da prevalência da ordem internacional no que respeitava à não proliferação nuclear, a Rússia assumiu a herança dos ativos e responsabilidades da URSS no âmbito do TNP, enquanto Bielorrússia, Ucrânia e Cazaquistão destruíram ou transferiram seus ativos nucleares e assumiram a condição de estados não detentores de armas nucleares, nos temos do Protocolo de Lisboa (1992). Os pressupostos do START foram cumpridos, e este Tratado entrou em vigor em 1994, devendo expirar em 2009. Traduziu-se na remoção de 80% dos efetivos estratégicos nucleares então existentes, para menos de 6000 ogivas e menos de 1600 veículos de lançamento, de um e outro lado.
O processo de negociação START foi retomado logo em 1992, porém um novo Tratado (New START) só veio a ser finalmente ratificado em 2011. A ser implementado até 2018 e vigorar até 2021, visa manter o contacto e a confiança entre os EUA e Federação Russa, renovar o sistema de verificação, e prosseguir a trajetória de redução de número de lançadores estratégicos e de ogivas. As metas fixadas para o armamento instalado pronto é 1.550 ogivas nucleares estratégicas e 800 veículos de lançamento (Inter Continental Ballistic Missiles - ICBM, Submarine Launched Ballistic Missiles - SLBM, e aviões bombardeiros). Estes meios continuam a exceder, de longe, os ativos nucleares de alguns outros países também detentores de ogivas, lançadores e sistemas nucleares defensivos ou ofensivos, designadamente R.P. China e Índia, bem como França e Reino Unido na própria Europa.
Foram quase duas décadas de negociações laboriosas e penosas, em vista da complexidade de inovações técnicas supervenientes, mas sobretudo resultado dos jogos diplomáticos e da intromissão militar de que o espaço Europeu foi quer alvo quer pretexto, por parte de países terceiros e da NATO em particular. Notar que esse período de negociações entre EUA e Federação Russa abrange, no espaço da União Europeia, o período que decorre desde 1992 - com o Tratado de Maastricht (que incorpora a Política Comum Externa e Segurança na fundação da União) e a formulação pela União da Europa Ocidental das metas ofensivas designadas por “Petersberg Tasks” - passando pelas cimeiras de Saint-Malo, Colónia e Helsínquia, até à ratificação do Tratado de Lisboa em 2009 - quando a Política Comum de Segurança e Defesa e a velha União da Europa Ocidental foram formalmente assimiladas na União Europeia. Em paralelo, prosseguiu o alagamento e integração das duas Organizações: dos 28 estados membros da União e dos 28 membros da NATO, 22 pertencem a ambas.
Nas cimeiras de Lisboa, Chicago e Wales, a NATO reafirmou partilhar com a União Europeia valores comuns e interesses estratégicos, ao ponto de indiscernível identidade. Incluindo facultar acesso a meios de planeamento e apoios para operações militares lideradas pela União fora do quadro da própria NATO. Assim sendo, tropas europeias, suportada em recursos da NATO, poderão então atuar para além da esfera de ação da NATO, no cumprimento de missões por esta aprovadas; em poucas palavras, soldados europeus estão às ordens de um diretório liderado pelos EUA, para cumprir objetivos em qualquer parte do mundo – no Iraque, Síria, Líbia, Iémen, Níger, Chade, Nigéria, etc.
PROLIFERAÇÃO NUCLEAR NA EUROPA [4]
Graves infrações ao TNP emergem na região Ásia-Pacífico e outras foram cometidas e persistem em território europeu. Na Europa, na sequência de negociações no âmbito da NATO, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Itália e Turquia, que à luz do TNP são países não detentores de armas nucleares, aceitaram partilhar com os EUA o armazenamento e instalação de armas nucleares nos respetivos territórios. Grécia e Reino Unido, tendo também já partilhado armas nucleares com os EUA, crê-se terão deixado de o fazer. Presentemente calcula-se sejam duzentas as ogivas nucleares norte-americanas por essa via estacionadas em bases de estados Europeus. Tais delegações de meios e responsabilidades violam os artigos I e II do TNP. Essa “partilha” advém de acordos bilaterais anteriores ao Tratado de Não-Proliferação, enquanto este veio a proibir explicitamente qualquer transferência de armas nucleares a partir de um estado detentor de armas nucleares e a sua receção por um outro estado que o não seja, Tratado a que todas essas partes aderiram, mas cuja letra e espírito subvertem.
As armas em questão são bombas de gravidade da série B-61. Está anunciada a sua substituição pela versão B61-12, que exibe várias valências inovadoras neste tipo de armas: condução de elevada precisão para o alvo, potência ajustável, e capacidade de penetração no subsolo e fortificações. Essas especificidades técnicas maximizam o efeito “útil” relativamente aos efeitos colaterais, o que ameaça tornar a opção pelo seu uso perigosamente mais tolerado ou aceite, inclusive em operações táticas. Com efeito, as forças aéreas alemã, italiana, belga, holandesa e turca anunciam estar em vias de adquirir novos aviões norte-americanos para acomodar as novas bombas para operação tática.
Em sentido contrário, o governo alemão já em 2009 expressara apoio à retirada das armas nucleares norte-americanas do seu território e da Europa, no que foi secundado pelos governos belga e holandês; enquanto os parlamentos holandês e alemão também já tomaram posição contra a continuidade destas mesmas armas. No quadro académico, político e social, multiplicam-se as vozes que clamam pela eliminação destas armas. Receamos que focos de conflito diplomático ou militar estejam a ser suscitados e manipulados para continuar a fazer crer e impor a vontade de estrategas militares e os interesses do complexo militar-industrial norte-americano e europeu sobre os povos europeus.
A NATO COMPROMETE A EUROPA PARA A GUERRA [5]
A NATO é argumento e instrumento para, primeiro, duas grandes potências nucleares, e depois, uma só delas, terem efetivamente decidido sobre a defesa e a segurança no continente Europeu. Estados Europeus detentores de armamento nuclear reconhecidos pelo TNP (Reino Unido e França), e ainda outros que, não o sendo, acolhem e partilham em seu território armamento nuclear dos EUA (pelo menos Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália e Turquia), não foi por terem integrado a NATO que adquiriram parte ativa na negociação e garantia de segurança e Paz na Europa. Antes por isso mesmo a perderam, e tornaram-se corresponsáveis pela militarização na Europa e pela escalada de conflitos dramáticos no continente e na bacia do Mediterrâneo, de que todos somos vítimas.
Os povos europeus não têm de ser conduzidos a escolher entre Ocidente e Oriente. A constituição da NATO precedeu a construção europeia e a sua influência tem sido um constrangimento permanente às livres escolhas dos povos europeus desde então. Muitos países europeus foram capturados para a visão estratégica da NATO e como instrumentos de influência política e militar da NATO sobre o nosso continente e para além dele. A União Europeia tem facilitado o avanço de tal visão militarista e percurso guerreiro. A NATO não é um instrumento de construção da Paz, mas sim de subjugação política e militar, e instrumento de guerra para que os seus membros europeus têm sido convocados a combater na Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia, etc.
O quadro de confronto diplomático e militar não se desanuviou com o desaparecimento da cortina de ferro, que seria a suposta razão de ser da NATO. Talvez esta tenha sido responsável pela queda da cortina de ferro; mas seguramente é corresponsável pelo ulterior prosseguimento e até aprofundamento do clima de confronto e agressão concreta.
As negociações para o desarmamento na Europa e sua vizinhança não conseguiram abolir o confronto estratégico com armas nucleares. Os bombardeiros, os submarinos e destroyers, os sistemas balísticos terrestres (fixos e móveis); os mísseis guiados de alta precisão, alta velocidade, alta ou baixa altitude, de curto a muito longo alcance; os dispositivos de deteção, rastreamento e alerta; as redes de comunicação e os centros de processamento e comando; as telecomunicações e a teledeteção via satélite; são elementos que convergem para complexos, mas sobretudo perigosíssimos, conflitos militares, potencialmente com armas nucleares.
A corrida armamentista serve objetivos de domínio político e económico mundial, de submissão de vastas populações à oferta de força de trabalho e à procura de mercados de consumo, incluindo os interesses dos complexos militares-industriais que produzem as inovações técnicas, depois propagandeadas como virtuosamente necessárias, defensivas e vitoriosas. A discriminação entre sistemas míssil e antimíssil, ou ofensivos e defensivos, bem como entre armas estratégicas e táticas, perde significado neste quadro de ampla diversidade e sofisticação técnica. A insistência em implementar a defesa antibalística ou designado escudo antimíssil e contemplar o lançamento de primeiro ataque designado preventivo, ou em atingir capacidade dissuasora e preservar capacidade de retaliação, não servem a promoção da confiança e o desarmamento. O caminho contra a proliferação nuclear não pode negar ou protelar o caminho para a desarmamento nuclear, como o TNP igualmente consagra, e a que comunidade internacional se obrigou.
Qualquer conflito militar contém em si a perspetiva de escalada, mas uma escalada nuclear é um cenário apocalíptico. Os presentes arsenais de nucleares somam mais de 15 mil ogivas, e a sua potência soma um milhão de vezes a potencia das bombas nucleares lançadas sobre Hiroxima ou Nagasáqui. Quando apenas 30 megacidades abrigam 500 milhões habitantes e já mais de metade da população mundial habita áreas urbanas, a sua vulnerabilidade a armas de destruição massiva é uma enorme ameaça. Na realidade, uma guerra nuclear global desencadearia um “inverno nuclear”, uma catástrofe de escala planetária com efeitos só comparáveis a raros fenómenos, como o impacto de um grande meteoro ou uma vasta crise vulcânica, que na história geológica já foram responsáveis por assinalados eventos de extinção de vida na Terra.
É pois também em nome da vida na Terra e da sobrevivência da humanidade que o movimento pela Paz apela à renúncia à corrida armamentista, incluindo a interdição de novas armas, a militarização do Ártico e do espaço exterior, e a interdição completa e definitiva das armas nucleares.
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[Artigo tirado do sitio web portugués ‘ODiario.info’, do 20 de xuño de 2016]