As razões do golpe de Estado na Bolívia

Achille Lollo - 29 Nov 2019

A verdadeira razão que liga o golpe de Estado na Bolívia ao governo dos EUA é o novo e profundo relacionamento político, econômico e financeiro que o governo de Evo Morales estava desenvolvendo com a China

 Todos os meios de comunicação europeus e norte-americanos veicularam as imagens patéticas de Luis Fernando Camacho e de Jeanine Añez que se servem da Bíblia como arma, com o objetivo de ocultar a responsabilidade estratégica do governo dos Estados Unidos no golpe de Estado na Bolívia.

 Antes de falar especificadamente dos responsáveis pelo golpe, é necessário definir alguns parâmetros econômicos e políticos do governo de Evo Morales, para entender por que em um país estável como a Bolívia – onde o PIB passou, de 9 bilhões em 2007, para 40 bilhões de dólares e, 2018; e onde a inflação caiu para 4,5%, e a pobreza foi reduzida de 38% para 15% – -, foi planejado e aconteceu, dia 10 de novembro, um golpe de Estado. Isso, apesar de o presidente Evo Morales ter anunciado a realização de novas eleições, antes do final de seu mandato (22/01/2020), seguindo assim a solicitação do secretário da OEA, Luis Almagro e da própria União Europeia, encaminhada pela responsável pelas relações internacionais da UE, Federica Mogherini.

 Na realidade, o golpe de Estado encabeçado pelo comandante em chefe das Forças Armadas, general Williams Kaliman, em conjunto com o comandante geral da Polícia, Vladimir Yuri Calderón, já não podia ser cancelado, muito menos adiado até novas eleições. Isso porque os grupos paramilitares (Milicias) financiados, organizados e dirigidos pelo chamado Comitê Cívico de Santa Cruz, entraram em ação antes do referendo, isto é no dia 19 de outubro, com inúmeras ações de terrorismo, para induzir crescente instabilidade no país. Essas ações terroristas multiplicaram-se nas principais cidades da Bolívia, imediatamente após o anúncio da vitória eleitoral do presidente Evo Morales. Portanto, é possível, a partir desses fatos correlacionados,  reconstruir a metodologia operacional, analisar como esse golpe foi construído e, também, definir como e por que o governo dos EUA endossou esse projeto subversivo, sem, dessa vez, repetir os erros do passado, quando o embaixador norte-americano, Philip Goldberg, foi expulso, dia 12 de setembro de 2008, acusado de apoiar o movimento separatista da Meia-Lua de Santa Cruz, cujo líder era Luis Fernando Camacho!

Da nacionalização do gás à industrialização de minerais

 A decisão política e constitucional que permitiu ao primeiro governo de Evo Morales impor uma nova definição política para a gestão da economia e das riquezas minerais do país, foi a nacionalização do gás. Isso foi feito mediante o "Decreto Supremo" e a subsequente centralização da produção na empresa estatal YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos). Dessa forma, as empresas bolivianas que representavam ou eram intermediárias das multinacionais perderam os meios muito lucrativos que lhes permitiam continuar a dominar a venda de gás dentro da Bolívia e também para as empresas argentinas e brasileiras.

 De todos, contudo, o grupo que mais sofreu com esta nacionalização do gás foi a SERGAS, que na prática monopolizou a venda de gás em Santa Cruz e foi popularmente conhecido como "Companhia Camacho", de propriedade do pai de Luis Fernando Camacho. Portanto, não foi por acaso que Luis Fernando Camacho integrou a parti de 2005 planos subversivos obscuros.

O Macho Camacho, Caballero de Oriente

 Mais tarde, de 2006 a 2009, Camacho "patrocinou", juntamente com os membros da seita "Los Caballeros del Oriente", a formação do grupo paramilitar “Milicias”, que começou a atuar principalmente na província de Santa Cruz, com o objetivo de desencadear um movimento de guerrilha separatista.

 Porém, com a criação da UNASUL (União das Nações Sul-americanas), o projeto subversivo de Camacho foi oficialmente dissolvido, embora a Polícia boliviana nunca tenha conseguido desmantelar efetivamente a organização e sua estrutura logística. De fato, segundo algumas fontes bolivianas, Luis Fernando Camacho reativou muito facilmente a organização subversiva das "Milicias" em 2016, logo após Evo Morales ter declarado que concorreria nas eleições de outubro de 2019.

 A outra ação política crucial do terceiro governo de Evo Morares foi a aprovação da lei que, em 2016, desenvolveu a Estrategia Nacional de Industrialización (Estratégia Nacional de Industrialização[1]). Essa lei previa a realização de grandes projetos industriais relacionados com a transformação industrial dos produtos minerais, em particular o lítio e o cloreto de potássio, assim como a extração de minerais de alto valor estratégico, nomeadamente cobalto, tório, urânio e gálio.

 É imperativo lembrar que quase todos esses minerais estão associados ao ouro. A Bolívia, além de se ter tornado o principal produtor mundial de lítio, com reservas de 9 milhões de toneladas, segundo o US Geological Survey (USGS) já é potencial produtora de ouro e dos 35 minerais que o USGS considera (...) “cruciais para a economia dos EUA!”. De fato, Caspar Raweles, analista da Benchmark Mineral Intelligence, declarou, em fevereiro passado, que "... No caso do cobalto, o preço subiu de 20 dólares para 40, para se estabilizar em 32 dólares. Valor que confirma as previsões dos analistas do setor, segundo os quais em 2022 haverá escassez mundial de cobalto, se não forem abertos novos pontos de produção. Por esse motivo, todas as empresas ligadas ao sistema econômico global estão tentando reduzir os riscos geopolíticos para seus projetos de exploração... ". Fato é que o fenômeno mais clássico descrito nessas fontes como "risco geopolítico" é a presença, nos estados produtores, de um governo "não cooperativo", quer dizer, que não se alinhe aos interesses das multinacionais do setor!

 Para confirmar as previsões do grupo CRU International Limited,  de Londres, e do USGS, o presidente da mineradora estatal boliviana Comibol (Corporación Minera de Bolivia), Marcelino Quispe, em março de 2018, declarava à agência ABI que: "As primeiras pesquisas de mineração nas regiões de Oruro, La Paz, Potosí e Santa Cruz, revelaram a existência de grandes depósitos de prata, ouro, gálio, cobalto, cobre, zinco, tório e sobretudo de urânio. Este último foi localizado no nordeste da província de Santa Cruz, de forma que sua extração deverá iniciar no início de 2019... "

 Por esse motivo, o governo de Evo Morales estava preparando o esboço de possíveis acordos de cooperação com Argentina, Rússia, França e Irã, para enriquecer nesses países o urânio extraído em Santa Cruz. Em seguida, em 2025, o governo previa implementar o "Programa Civil de Energia Nuclear", investindo 2 bilhões de dólares na construção de duas usinas nucleares nas províncias do nordeste.

 Ao fazer isso e sem a presença das multinacionais dos EUA, a Bolívia ter-se-ia convertido no verdadeiro Eldorado mineiro da América Latina, com um governo que, certamente, teria reinvestido na sociedade os imensos lucros obtidos com a venda e a industrialização dos minerais estratégicos. Também, cabe lembrar que na lista dos grandes projetos delineados pelo Presidente Morales, aparecia em primeiro lugar a instalação de uma fábrica de baterias de lítio para abastecer carros elétricos em todo o mundo, juntamente a uma fábrica de carros elétricos para abastecer o mercado latino-americano.

 Nos meses que antecederam as eleições de outubro, a grande mídia jamais noticiou que Luis Fernando Camacho – desta vez sem Bíblia – teria tido “reuniões reservadas” com representantes de várias multinacionais de mineração dos EUA, como ALCOA, ASARCO, Newmont Mining Corporation, Southern Copper e Anaconda Copper. Também foi minimizada pela mídia a chegada de Luis Fernando Camacho a Brasília, para se encontrar com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, na primeira semana de maio deste ano. Segundo fontes "confidenciais", Camacho, teria antecipado ao ministro brasileiro o plano para derrotar Morales, pedindo-lhe a promessa de um reconhecimento imediato do novo governo por parte do governo brasileiro. Em troca, Camacho ofereceu a redefinição do novo contrato de venda do gás (32,35 milhões de metros cúbicos diários).

 Parece coincidência: o presidente brasileiro Jair Bolsonaro foi o primeiro a reconhecer Jeanine Añez “Presidente ad Interim”. O mesmo Bolsonaro confirmou que já havia enviado para La Paz "... uma pessoa para acompanhar a evolução da situação boliviana ... ". A mesma fonte lembra que Camacho teria garantido ao ministro Ernesto Araújo a realização de um programa de privatizações semelhante ao brasileiro, pelo qual a primeira estatal a ser privatizada seria mesmo a YPFB.

A necessidade da reeleição de Evo e o golpe

 Alguns setores da esquerda criticaram a decisão do presidente Evo Morales de apelar ao Tribunal Constitucional para obter o que ele havia alcançado com o referendo. Ou seja, a oportunidade de concorrer pela quarta vez nas eleições presidenciais. Para outros, Evo teria pecado por teimosia, ou estaria seduzido pelo poder...!

 Todos esses julgamentos e respectivas ‘sentenças’ foram ‘noticiados’ pelos veículos de mídia bolivianos, estadunidenses e europeus, os quais, quando se trata de criticar Evo Morales trabalham em uníssono, como aconteceu em 2016. De fato, por ocasião do referendo, marcaram a campanha midiática contra Evo Morales com absurdas Fake News e sobretudo com o caso "Gabriela Zapata", conseguindo convencer a classe média, em particular a de La Paz. A mesma classe média que depois, em outubro deste ano, apoiou o golpe de Estado, criado e promovido em Santa Cruz de la Sierra por Luis Fernando Camacho.

 Poucos hoje lembram que em 2016, Gabriela Zapata – foi apresentada pela mídia como a "amante" de Evo disposta a revelar os segredos do presidente. Por isso recebeu milhares de dólares por entrevistas que gravou, nas quais descreveu Evo Morales como o indivíduo mais sórdido, mais corrupto e mais imoral da Bolívia. Além disso, Gabriela Zapata também acusou Evo de ter matado uma criança que nunca existiu.

 Infelizmente, só no dia 23 de maio de 2017, o tribunal de La Paz descobriu a tramoia de Gabriela Zapata, que foi condenada a dez anos de prisão por falsidade ideológica, uso de documentos falsificados, associação criminal e uso indevido de bens públicos. Infelizmente, em 2017, os bolivianos já haviam votado no referendo contra Evo!

 Por isso, para o presidente Evo e para os líderes do MAS (Movimiento al Socialismo), ficou evidente que a derrota no referendo havia sido determinada pela mídia, com o caso de Gabriela Zapata, de modo que o pedido ao Tribunal Constitucional parecia amplamente justificado.

 Ao mesmo tempo, os serviços bolivianos de informação haviam revelado ao presidente que, em caso de vitória do líder da oposição, Carlos Mesa, todos os projetos estratégicos criados pelo governo seriam dissolvidos e as empresas estatais privatizadas. Em primeiro lugar, a estatal do gás, YPFB, e a mineradora Comibol, responsável pela industrialização do lítio e do urânio.

Carlos Mesa, ex-presidente e futuro presidente?

 É imperativo lembrar que Carlos Mesa tornou-se presidente da Bolívia em outubro de 2003, devido à renúncia e à fuga para os EUA do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. De fato, para evitar ser julgado pela dramática repressão dos manifestantes que protestavam contra o aumento dos preços do gás após a privatização (80 mortos e 523 feridos), Lozada escapou graças à ajuda da embaixada dos EUA. Além disso, é bom saber que Carlos Mesa, então vice-presidente, foi a eminência parda que finalizou as privatizações em favor das multinacionais, autorizando, inclusive, o aumento das tarifas do gás.

 Por isso, o grande questionamento que pesou na decisão de Evo Morales de concorrer a qualquer custo, pela quarta vez, diz respeito à mudança política e econômica que uma possível vitória de Carlos Mesa teria imposto ao povo boliviano com o retorno das privatizações, destruindo, assim, tudo o que que havia sido construído durante os três governos. Na prática, exatamente o mesmo o que Moreno está fazendo no Equador e o que Bolsonaro já fez no Brasil!

 Outro elemento conjuntural que influenciou bastante a decisão de Evo, surgiu com a possível candidatura do seu vice-presidente, Álvaro Garcia Linera. De fato, apesar de ser um antigo líder da esquerda boliviana perfeitamente ligado ao MAS, o problema era que Garcia não é indígena – traço de grande importância para o eleitorado andino. De fato, de acordo com a Divisão Federal de Pesquisa da Biblioteca do Congresso (EUA), a Bolívia é um país onde 58% da população é etnicamente indígena (28% são quéchuas, 19% aimarás e 11% de outros grupos étnicos indígenas), então 30% é formada pelos "mestiços" (filhos de europeus e indígenas) e apenas 12% são de origem europeia.  Infelizmente, os outros líderes e parlamentares do MAS, incluindo Victor Borda, ex-presidente da Câmara dos Deputados, não alcançavam a necessária dimensão nacional para substituir a imagem de Evo Morales. Além disso, não têm a mesma capacidade de Evo para dialogar com as massas e, consequentemente, teriam chances mínimas de derrotarem a direita e a mídia nas eleições de outubro.

 No campo da oposição, a certeza de que Evo Morales apareceria nas eleições de outubro, apesar do resultado negativo do referendo de 2016, permitiu a Luis Fernando Camacho transformar seu Comitê Santa Cruz no centro decisional do golpe; rapidamente se transformou no centro de comando de todas as ações terroristas que os grupos armados das “Milicias” realizaram em quase todo o território da Bolívia a partir do dia 19, isto é na véspera do referendo. Essa atividade criminosa e subversiva só foi possível, graças, sobretudo, ao encobrimento, pela Polícia e ao "silêncio" do exército.

 De fato, imediatamente após as demissões forçadas de Evo Morales, para impedir que o Presidente da Câmara dos Deputados, Victor Borda, assumisse o cargo de Presidente Interino, as "Milicias" de Luis Fernando Camacho atacaram e incendiaram a residência de Victor Borda em Potosí, para depois sequestrar o irmão do político, ameaçando-o de morte. Diante dessa chantagem, Victor Borda renunciou em troca da vida do irmão!

A Bolívia de Evo, relações com os EUA e presença da China

 Após a expulsão do embaixador dos EUA Philp Goldberg, em 12 de setembro de 2008, as relações diplomáticas e políticas entre Bolívia e Estados Unidos passaram por tempos difíceis. Basta dizer que, no mesmo ano, toda a delegação da Drug Enforcement Administration, DEA, foi expulsa da Bolívia, acusada de "conspiração". Depois, em 2013, todo o pessoal da United States Agency for International Development, USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) foi expulso pelo governo boliviano. Na realidade, somente nos últimos anos, com a chegada do novo Encarregado de Negócios, Bruce Williamson, as relações diplomáticas entre os dois países estabilizaram-se. Em vez disso, nos Estados Unidos, o Departamento de Estado e a Central Inteligence Agency, CIA, (Agência Central de Inteligência) decidiram expandir na Bolívia os efeitos da "guerra híbrida" mobilizada contra o governo bolivariano de Nicolas Maduro. Por esse motivo, várias entidades governamentais, ONGs e fundações estadunidenses multiplicaram o relacionamento com as forças da oposição boliviana, buscando repetir o processo de infiltração já perfeitamente implementado no Brasil, na Venezuela e no Equador.

 Foi neste âmbito que, em janeiro deste ano, a deputada republicana Ileana Ros-Lehtinen declarou no Congresso que "... O presidente Morales não pode se perpetuar no poder, então o povo da Bolívia precisa da ajuda dos Estados Unidos...".

 Mais tarde, em agosto, durante a "missão diplomática" na Colômbia, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikky Haley, declarou: "A Bolívia, depois da Venezuela, é país que devemos seguir com muito cuidado!". Declarações que confirmam o trabalho de infiltração coordenado por agências e subagências do Departamento de Estado. Por exemplo, a National Endowment for Democracy, NED (Fundação Nacional para a Democracia) realiza seus programas com o apoio de 30 ONGs bolivianas e dois institutos privados dos EUA, o Instituto Republicano Internacional e o Centro Internacional de Empresas Privadas, para realizar o programa "Governo e Sociedade Civil ". Um projeto que forma os novos líderes dos partidos da oposição, de acordo com as normas do liberalismo estadunidense.

 Por outro lado, é necessário lembrar que o governo de Evo Morales nunca conseguiu cortar o cordão umbilical que liga a Polícia boliviana à CIA e à DEA, e os oficiais superiores das Forças Armadas, ao Pentágono. Isso ocorreu porque, a partir de 1962, o exército da Bolívia, como também o exército da Venezuela, foram completamente reestruturado de acordo com as regras da academia militar dos EUA. Basta dizer que na América Latina o primeiro batalhão de Rangers, especializado em contraguerrilha, foi criado pelo Pentágono na Bolívia, especificamente para cercar e eliminar o foco de guerrilha montado por Che Guevara e o então nascente Exército de Libertação Nacional, ELN.

 De fato, o governo socialista-progressista de Evo Morales, assim como o de Rafael Correa e de Lula, nunca puderam contar com o pleno reconhecimento democrático pelos militares de mais altas patentes. Essa situação sempre permitiu a infiltração de ‘olheiros’ da CIA, da DEA e do Departamento de Estado dos EUA nas Forças Armadas e na Polícia. Por sua parte, Evo, Correa e Lula sempre acreditaram que o controle das instituições pelo governo, a atuação das normas constitucionais e o peso das vitórias eleitorais teriam determinado um novo tipo de relações com os oficiais superiores das Forças Armadas, dos Serviços de Inteligência e da Polícia. Relações que, infelizmente, ficaram limitadas a um simples respeito hierárquico, e que, na maioria dos casos, muitos confundiram com lealdade e fidelidade.

 De fato, se no Brasil as Forças Armadas, com seus experimentados serviços de inteligência, e a Polícia Federal, estivessem realmente comprometidos com a governabilidade e com os conceitos democráticos da Constituição, não teriam permitido que fosse organizado e prosperasse o movimento de Impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff; e também não teriam deixado que Sérgio Moro levasse a efeito sua pantomina suposta processual contra Inácio Lula da Silva!

 O mesmo aconteceu no Equador, onde o Judiciário, a Polícia e os serviços de inteligência do Exército, praticamente apoiaram a traição cometida pelo novo presidente Moreno, conspirando para provocar a prisão do vice-presidente Jorge Glas.

 Na Bolívia, Evo Morales nunca reprimiu seus oponentes políticos usando a força de quem foi eleito com 67%. Basta dizer que, quando implodiu a intentona do movimento separatista “Meia Lua de Santa Cruz de la Sierra”, o governo e o próprio Evo Morales deixaram ao Judiciário a tarefa de investigar e de processar os poucos terroristas presos pela Polícia. Na realidade, o governo boliviano ficou satisfeito com a vitória política, achando que as sentenças judiciais, a coexistência pacífica e a atividade democrática no Parlamento teriam expurgado o histórico vício conspiratório da oposição.

 No entanto, a verdadeira razão que liga o golpe de Estado na Bolívia ao governo dos EUA é o novo e profundo relacionamento político, econômico e financeiro que o governo de Evo Morales estava desenvolvendo com a China.

 Uma situação que o ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, assim analisa: "Em termos geoestratégicos, a Bolívia é o centro da América Latina, que nos últimos anos cresceu enormemente, descobrindo um potencial considerável nas suas riquezas minerais. Por esse motivo, quando os Estados Unidos perceberam que o governo de Evo Morales estava abrindo-se para outras forças mundiais, em particular para a China, decidiram agir. Não tenho dúvidas!.(...)  A influência dos Estados Unidos na Bolívia é permanente, e as forças da oposição sempre alimentaram a conspiração subversiva. E sei disso porque em 2008 eu estava lá! Portanto conheço o contexto de Santa Cruz que em 2008 estava jogando a Bolívia no vórtice da guerra civil” (...).

 A análise de Celso Amorim torna-se evidente se considerarmos que, nos últimos anos, a Bolívia passou a ser um dos principais exportadores mundiais de lítio, antimônio, estanho, tungstênio e boro, e dos principais minerais estratégicos dos quais as indústrias estadunidenses precisam. Além disso, desde 2016 a Corporación Minera de Bolivia (Comibol) começou a refinar os minerais extraídos nas fundições espanholas e, sobretudo nas chinesas, com as quais foram substituídas as fundições estadunidenses.

 Uma dependência que Evo Morales pensou em acabar, ampliando a "cooperação financeira" chinesa (7 bilhões de dólares) e assinando contratos para a construção de centros metalúrgicos para o refino do zinco, de onde é extraído o índio (símbolo químico “In”), que é outro material estratégico do qual as indústrias dos EUA têm necessidade absoluta. Sempre com a contribuição e a cooperação de empresas chinesas, russas, francesas, canadenses e alemãs, o governo de Evo Morales havia planejado aumentar a capacidade de extração de todos os minerais estratégicos presentes no subsolo boliviano, quer dizer, lítio, cobalto, paládio, antimônio, bismuto, cádmio, cromo, tungstênio e urânio, além de aumentar o volume de exportação dos minerais tradicionais, a saber: ouro, estanho, manganês, zinco, prata, platina, potássio, níquel, ferro e cobre.

 Esse contexto não escapou aos analistas envolvidos no processo de desenvolvimento econômico da Bolívia. De fato, Axel Arías Jordan, em 20 de setembro de 2018, revelando o interesse dos Estados Unidos em promover mudança política na Bolívia, assim escrevia: "O confronto eleitoral que ocorrerá em outubro de 2019 promete ser um dos grandes desafios para uma possível mudança política na Bolívia. É por isso que devemos ter muito cuidado em analisar a maneira como o governo e o setor privado dos Estados Unidos avaliam esse contexto, e se decidirão intervir de acordo com seus interesses políticos e econômicos relacionados à Bolívia. De fato, além dos interesses tradicionais pelo controle de um país que se tornou mundialmente famoso por seu potencial de mineração, os Estados Unidos têm outros interesses fundamentais ligados à defesa e aos vínculos comerciais existentes entre a Bolívia e a China. Por fim, enquanto os EUA continuam mantendo a Venezuela sob pressão, é muito provável que a Casa Branca endureça as diferentes formas de pressão sobre o governo boliviano! ... "

 Infelizmente, o endurecimento do imperialismo ocorreu aos 10 de novembro de 2019, com um golpe de Estado – e golpe que já estava previsto em para ser implementado em maio. Golpe que, hoje, há quem queira ocultar por trás de uma Bíblia. Um golpe que é a enésima solução imperialista para enriquecer-se pelo roubo das imensas riquezas minerais da Bolívia!

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[1] Sobre o tema, parece haver material interessante em “ABC del litio sudamericano (...) Alternativa productiva para la soberania energetica” (NdE)

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[Artigo tirado do sitio web Tlaxcala, do 21 de novembro de 2019]