A Argentina na tormenta
A inflação galopante reduz as margens do consumo em queda livre e o gigante americano da distribuição, Walmart, já vendeu uma dúzia de hipermercados. O preço do pão aumentou em mais de 20% em poucos dias. Como em 2001, o povo tem fome, de justiça social e de pão
Dezessete anos depois da crise de 2001 na Argentina, o governo Macri, chegado ao governo em dezembro de 2015, impôs um feroz plano de ajustamento estrutural contra a população, acompanhando o empréstimo do FMI. O país, que em 2018 assegura a presidência do G20, é um dos mais afetados pelo aumento das taxas de juro nos Estados Unidos, pela fuga de capitais, pela subida do dólar e pela especulação bolsista, como acontece com a crise que emerge (link is external) na Turquia (link is external).
No contexto de guerra comercial do presidente Trump para favorecer as suas exportações em detrimento dos outros, a subida das taxas de juro nos Estados Unidos provoca uma corrida ao dólar, que, mais do que nunca, se torna um refúgio seguro. Os capitais em dólares são repatriados para os Estados Unidos para beneficiar dessa subida das taxas, a liquidez seca subitamente, as moedas dos chamados países "emergentes" caem brutalmente.
Turbulência na Argentina
O peso argentino está em queda livre, os preços disparam, o consumo reduz-se ao minímo, incluindo para a classe média, muitas lojas e empresas fecham e despedem em massa, a fome propaga-se nos bairros periféricos e os especuladores entram em pânico, sem saber o que inventar para evitar o afundamento anunciado. No entanto, podíamos ter aprendido com as crises do passado para não as repetir: a Argentina já passou por isto... as pessoas recordam-se de 2001, da fome, do barulho das panelas vazias entre as batidas das colheres nas fachadas dos bancos ... fechados. É o "corralito"(1). Do outro lado, os capitais fogem discretamente na expectativa de um alívio para um eventual retorno. O cenário orquestrado pelo FMI nos quatro cantos do globo repete-se até ao infinito, o que não impede que continue a destilar as suas próprias recomendações nauseabundas, qualquer que seja a latitude do país em causa.
"Pobreza zero", repetia Macri durante a campanha eleitoral. Hoje, a sua popularidade está em queda livre, e este slogan está entre as numerosas promessas eleitorais que nunca serão respeitadas, uma vez mais a confiança das pessoas é espezinhada, traída pelo poder do dinheiro. A austeridade só piora a situação social, já agravada por mais de dois anos de direita dura no governo.
A primeira parcela de 15 mil milhões de dólares do mega-empréstimo de 50 mil milhões do FMI, concluido em junho, não parece ser suficiente para estabilizar a economia abalada pela inflação de cerca de 30%, ela própria estimulada pela desvalorização da moeda. O peso argentino perdeu quase 20% do seu valor em relação ao dólar em dois dias, a 29 e 30 de Agosto, e 98% nos últimos 12 meses (mais de 50% desde o início do ano), atingindo uma baixa histórica de mais de 40 pesos por dólar.
Aterrorizado, o banco central do país elevou, a 30 de agosto, a taxa de juro de 45 para 60%, uma das mais altas do mundo, após tê-la aumentado de 40 para 45% a 13 de agosto, afim de incentivar os investimentos em moeda local(2). No entanto, esta ação, assim como os esforços do Banco Central da Argentina, que já vendeu mais de 12 mil milhões de dólares das suas reservas internacionais desde o início do ano para estabilizar o peso(3), não conseguiu conter a desconfiança dos investidores face à possibilidade de não reembolso, nem atenuou a queda dos preços. Como uma provocação, a 31 de agosto, um dia após o aumento espetacular das taxas de juro do Banco Central, a agência de notação norte-americana, Standard & Poor's, põe “em vigilância negativa” a dívida argentina.
A austeridade do FMI
O presidente argentino, Mauricio Macri, anunciou na segunda-feira 3 de setembro um brutal plano de austeridade sob a supervisão do FMI. Este plano inclui a introdução de um imposto sobre as exportações agrícolas de 4 pesos por dólar exportado(4), que até o próprio Macri admitiu que eram "impostos muito maus", mas que havia "urgência" face ao défice orçamental. Depois de tanta austeridade aplicada contra os mais pobres, esta medida arrisca-se a também não agradar aos produtores de soja e milho, primeiros fornecedores de divisas do Estado, severamente abalados por uma seca recorde desde o início do ano. Além disso, Macri anunciou a supressão de 12 dos 22 ministérios! Macri pretende de facto eliminar os ministérios da Cultura, do Trabalho, da Ciência e Tecnologia, da Energia, da Agro-indústria, da Saúde, do Turismo e do Ambiente para os converter em secretarias de Estado sob a dependência de outros ministérios: por exemplo, a Cultura e a Ciência e Tecnologia passam para a dependência do Ministério da Educação, o Trabalho fica sob a órbita do ministério da Produção, a Saúde é absorvida pelo do Desenvolvimento Social e a Agro-indústria muda-se para o ministério do Tesouro, entretanto despede 600 trabalhadores. Até hoje, só os ditadores Pedro Eugenio Aramburu e Juan Carlos Onganía se tinham aventurado a eliminar o Ministério da Saúde.
A 4 de setembro, o ministro argentino da Economia, Nicolas Dujovne, e o vice-presidente do Banco Central, Gustavo Cañonero, descolam a bordo de um avião em direção a Washington. Está previsto um encontro na sede do FMI para negociar uma revisão do acordo assinado em junho e para acelerar os pagamentos. A Argentina está com muita falta de dinheiro. No mesmo momento, o procurador Jorge Di Lello acusa o presidente Mauricio Macri de abuso de autoridade e violação dos deveres de um funcionário público por ter assinado o acordo com o FMI, em 7 de junho, sem o submeter ao Parlamento, violando assim a Constituição. Pelo seu lado, o Presidente Macri já não sabe o que dizer para acalmar o crescente descontentamento. Ele declara na televisão e continua a repetir: "Esta crise não é mais uma crise, deve ser a última (...) o pior ficou para trás”(5). No entanto, os mesmos erros produzem os mesmos efeitos e a história repete-se...
Na rua, o disparar dos preços faz ressurgir o descontentamento popular. Em Buenos Aires, La Plata, Rosario, Mar del Plata, e noutras cidades, o povo exprime a sua raiva contra os aumentos dos preços ou face aos cortes orçamentais impostos na administração pública, ou os aplicados nas universidades públicas como contrapartida ao empréstimo do FMI. Em greve há mais de um mês, os professores das 57 universidades públicas exigem um aumento de salários. Lembrando as trágicas recordações do colapso financeiro de 2001, as cantinas populares enchem-se de novo, já não só de crianças, mas de famílias inteiras... A inflação galopante reduz as margens do consumo em queda livre e o gigante americano da distribuição, Walmart, já vendeu uma dúzia de hipermercados. O preço do pão aumentou em mais de 20% em poucos dias(6). Como em 2001, o povo tem fome, de justiça social e de pão.
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Notas:
(1) A palavra espanhola corralito, diminutivo de curral, é o nome dado às medidas impostas pelo governo de Fernando De La Rúa em 3 de dezembro de 2001 para combater a fuga de capitais, medidas que acabaram por provocar a sua renúncia. Essas medidas consistem na limitação das retiradas de dinheiro a 250 pesos por semana e proíbem o envio de fundos para o exterior.
(2) "Chute du peso argentin: pourquoi les marchés sont de nouveau effrayés" (link is external), Le Courrier International, 31 de agosto de 2018.
(3) "L’Argentine demande le déblocage anticipé des fonds du FMI" (link is external), Agência Reuters, 29 de agosto de 2018.
(4) No curso atual da moeda argentina, isto corresponde a cerca de 10% no trigo, milho, carne de bovino, soja e um aumento do que já existia no óleo de soja, do qual a Argentina é o maior exportador do mundo. Claire Fages, "L’Argentine taxe le blé, la Russie y renonce" (link is external), RFI, 5 de setembro de 2018.
(5) Richard Partington, "Argentina launches fresh austerity measures to stem peso crisis" (link is external), The Guardian, 03 de setembro de 2018.
(6) "La crisis del pan" (link is external), Página 12, 6 de setembro 2018. “O preço do quilo de pão subiu esta semana cerca de 21 por cento. O quilo de pão passou de uma faixa de preços entre 65 e 70 pesos em média para um preço entre 80 e 90 pesos”.
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[Artigo tirado do sitio web portugués Esquerda, do 26 de setembro de 2018]