Guerra na Europa

Luís Carapinha - 10 Feb 2017

O espectro alargado de guerra na Europa permanece uma inquietante realidade no momento em que se assiste a uma operação sem precedentes nas últimas décadas de desembarque de forças da NATO num vasto perímetro, do Báltico ao Mar Negro, junto das fronteiras russas

O estado de guerra latente no Donbass conheceu um novo agravamento. Os combates que vitimaram dezenas de civis desde finais de Janeiro são considerados os mais intensos dos últimos 12 meses e coincidem com a entrada em funções de Trump nos EUA. Imagens da BBC captaram tanques ucranianos na cidade de Avdeevka, nos subúrbios norte de Donetsk, uma violação crassa dos Acordos de Minsk (II). Enquanto continua a ocultar os bombardeamentos de cidades e aldeias das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk e mantém o congelamento do pagamento das pensões de reforma e transferências sociais para as zonas «ocupadas», na guerra movida contra o próprio povo, Kiev ensaiou um cenário de catástrofe e evacuação humanitária em Avdeevka, apelidada mesmo de Alepo da Ucrânia. A guerra paralela de propaganda e desinformação prossegue ao seu melhor estilo.

 Apesar do grau de destruições e dos mais de nove mil mortos desde que foi criminosamente lançada como «operação anti-terrorista», após o golpe de estado de 2014, o conflito militar na Ucrânia configura no estádio actual uma guerra de exaustão, sem alterações significantes da linha da frente. O poder proto-fascista instalado em Kiev pelos EUA e a UE não tenciona cumprir com o estipulado em Minsk – nomeadamente a realização da reforma constitucional e consagração do estatuto especial da região do Donbass, antes do restabelecimento do controlo total da fronteira com a Rússia. Embora os generais ucranianos reclamem gloriosos avanços de centenas de metros na frente de batalha, Kiev sabe que uma solução militar para o conflito não está de momento ao seu alcance. Porém, não obstante os repetidos crimes e desmandos, Porochenko e o poder da ditadura da oligarquia ucraniana continuam a gozar de um estatuto inimputável aos olhos dos EUA, UE e NATO.

 Independentemente dos nexos que se possam insinuar entre o Kremlin e Trump e algumas personagens da sua administração, de um não menosprezível relampejar de instintos de classe no labiríntico redesenhar de estratégias em tempos de aprofundamento da crise estrutural capitalista, a realidade que continua a sobrepesar é que a Ucrânia, e a guerra na Ucrânia em particular, se tornaram um instrumento e activo geopolítico avançados na senda agressiva do imperialismo. Um álibi por excelência para a cavalgada do imperialismo em direcção ao «espaço vital» do Leste, o reforço do expansionismo e agressividade da NATO e a manutenção da pressão política, económica e militar sobre a Rússia. Internamente, é preciso manter o estado de guerra e psicose social como instrumento insubstituível de legitimação interna do poder anti-democrático da Junta de Kiev e do regime liberal/nacional-fascista. Para continuar a impor a insuportável situação socioeconómica enfrentada pela maioria dos ucranianos, prosseguindo a delapidação dos recursos nacionais e as reformas anti-sociais ao serviço da oligarquia e grande capital que conduziram à falência económica e perda da soberania da Ucrânia. Para levar a cabo a onda atroz de glorificação neonazi e «descomunização» e a perseguição implacável movida contra os comunistas e as liberdades e direitos políticos.

 O espectro alargado de guerra na Europa permanece uma inquietante realidade no momento em que se assiste a uma operação sem precedentes nas últimas décadas de desembarque de forças da NATO num vasto perímetro, do Báltico ao Mar Negro, junto das fronteiras russas. É necessário afrontar as causas que estão na génese do conflito na Ucrânia e da política belicista do imperialismo que ameaça o planeta. Rompendo também o véu da mentira-permanente, e sua beatificação «pós-verdade», da ordem dominante em decadência.

 

[Artigo tirado do sitio web portugués Avante, núm. 2.254, do 10 de febreiro de 2017]