Brasil: O golpe e a imposição do neoliberalismo

Vagner Freitas - 16 Xan 2017

Se o ano de 2016 está ruim, 2017 promete ser ainda pior. O desemprego continuará a aumentar, assim como o custo de vida. As taxas de juro continuarão altas e o dólar, caro. Ao mesmo tempo, as empresas continuarão a vender e a produzir menos e a demitir mais. Se continuar nesse ritmo, a recessão pode se transformar em uma depressão econômica

O Brasil está paralisado.

 O golpe de Estado, ao contrário das previsões do mercado, dos analistas econômicos aliados e da mídia, aprofundou a recessão. As denúncias de corrupção contra os ministros usurpadores mantiveram o ambiente político tão ou mais conturbado do que antes da destituição da presidenta Dilma Rousseff.

 Nos primeiros seis meses da gestão peemedebista, seis ministros foram afastados. Em todos os casos, por conflitos éticos.

 O cenário é caótico e com poucas expectativas de melhora. Não bastasse a crise de legitimidade e de ética, a economia brasileira está em frangalhos, com forte retração da atividade econômica, aumento do desemprego e queda na renda das famílias.

 A crise fiscal no governo federal e nos estados, com sérios riscos de paralisação de serviços públicos e não pagamento de salários dos servidores públicos, tem potencial para a deflagração de revoltas em todo o País, como as que ocorreram no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O endividamento do setor privado, aliado à ociosidade, desestimula o investimento e, consequentemente, a geração de emprego e renda.

 Apesar desse quadro, o Banco Central mantém os juros altos, impactando negativamente o investimento das empresas e o consumo das famílias e esfriando ainda mais a economia. Para piorar, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos aumentou a instabilidade dos mercados.

 Os investidores estão preocupados com a possibilidade de Trump adotar políticas protecionistas e desistir de acordos de comércio internacional. 

 A ascensão da direita ocorreu em períodos de crise econômica, desemprego e desesperança da população tanto no Brasil quanto nos EUA, Argentina, Leste Europeu e nos países onde ocorreram as revoltas populares que ficaram conhecidas como “Primavera Árabe”.

 No caso do Brasil, além da crise econômica, a direita usou a Operação Lava Jato e as “pedaladas fiscais” para derrubar uma presidenta honrada e legitimamente eleita e exterminar o PT, partido que os conservadores abominam. 

 Eles não puseram Michel Temer no Palácio do Planalto para moralizar, mas para implantar o projeto neoliberal derrotado nas últimas quatro eleições presidenciais.

 E, claro, todas as medidas que o golpista anuncia para tentar aquecer a economia atendem aos anseios da direita: é a total redução do papel do Estado no desenvolvimento econômico e social e políticas recessivas que nunca tiveram eficácia na resolução de crises econômicas.    

 Em seu primeiro discurso após a posse, ainda como presidente em exercício, Temer falou que o povo brasileiro precisava voltar a ter confiança “nos valores que formam o caráter de nossa gente, na vitalidade da nossa democracia, na recuperação da economia e nos potenciais do nosso País, em suas instituições sociais e políticas”.

 Falou também que não mexeria em direitos sociais e trabalhistas. Mentiu. Mal assumiram, os ministros começaram a falar em reformas que prejudicam a classe trabalhadora.

 A parcela da população que bateu panela e foi às ruas com camiseta da CBF – que ironia – para exigir o fim da corrupção e dos governos do PT e pelo reaquecimento da economia está calada. Não se manifesta contra a corrupção nem contra o caos econômico.

 Aparentemente, queria apenas acabar com o projeto democrático e popular de distribuição de renda, inclusão, justiça social e geração de emprego e renda, iniciado em 2003.

 Isso confirma a teoria do sociólogo Jessé de Souza sobre a disputa que conflagra o Brasil desde as eleições de 2014. Não tem nada a ver com ética, tampouco com crise econômica. É uma disputa de projetos: o de inclusão social, protagonizado por Lula e Dilma, e o de exclusão e concentração de renda, defendido por Temer, Aécio, Serra, FHC, Caiado e todos os partidos de direita e centro-direita.

 É a velha disputa sobre quem fica com os recursos públicos: a elite, que durante séculos se apropriou do Estado e dos seus recursos, alheia à miséria do povo, ou os trabalhadores e os pobres que produzem a riqueza.

O ritmo das reformas incomoda o capital

 A mídia não teve pudor e trabalhou para dividir o Brasil, com reportagens sensacionalistas, manipulação e distorção das informações.

 Muitos brasileiros caíram na onda de que havia um grupo correto e ético – à direita –, e outro formado por corruptos que precisavam ser exterminados. Isso gerou uma das maiores ondas de intolerância e ódio já vistas. Ódio contra o PT, Lula, Dilma e a parcela mais pobre da população. 

 É o mesmo ódio que avança mundo afora, seja nos espaços ocupados pela via democrática por meio de eleições, como nos EUA, seja pelo golpe, como ocorreu neste ano no Brasil e, em 2012, no Paraguai. E esse avanço não é apenas eleitoral.

 As pautas conservadoras e de retirada de direitos ganham cada vez mais força com a agenda recessiva de Temer, para alegria dos mercados e dos empresários e a revolta dos trabalhadores. 

 Ciente do seu papel, tão logo assumiu, Temer anunciou a agenda de desmanche das políticas públicas conquistadas nos últimos 13 anos. Uma das principais é a Proposta de Emenda Constitucional 241/55, que congela os investimentos sociais por 20 anos, impedindo a ampliação dos serviços públicos e acabando com a possibilidade de o Estado fazer política fiscal anticíclica, que, nas crises, é fundamental para levar a economia a crescer.

 Há teto para gastos com saúde, educação e programas sociais, mas não há para o pagamento de juros aos bancos e rentistas. Não há também medidas para mexer na injusta e desigual estrutura tributária brasileira, como tributo de bens supérfluos, cobrança de imposto sobre heranças e doações e aumento da progressividade, com alíquotas mais baixas para itens essenciais, que reduziria tributos para as famílias de menor renda.

 O golpista também se empenhou em acabar com o Fundo Social do Pré-Sal, um fundo soberano destinado a receber parcelas dos recursos do pré-sal que cabiam ao governo federal e ajudariam a financiar o desenvolvimento, a educação e a saúde (50% dos rendimentos que ficariam em uma poupança seriam investidos nesses dois setores).

 A Petrobras corre o risco de ser transformada em uma pequena empresa. A aprovação de um projeto do tucano José Serra tirou da Petrobras o controle do pré-sal. Abriu-se mão do conteúdo nacional e, com isso, dos avanços tecnológicos e empregos no Brasil. 

 Executa-se uma política neoliberal. E, nesse sentido, é preciso tirar mais direitos dos trabalhadores por meio da reforma da Previdência, com o aumento da idade mínima para aposentadoria e redução do valor dos benefícios, reforma da legislação trabalhista, com ampliação da terceirização e o fim da CLT, redução de programas como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família.

 Criaram um modelo educacional que prepara os/as brasileiros/as para o mercado de trabalho e não para a cidadania. Intensificaram a luta contra os movimentos sindicais e sociais, o fechamento das universidades públicas, em especial as federais criadas por Lula e Dilma, o congelamento dos salários de servidores públicos federais.

 A ideia é privatizar o ensino, a educação e a Previdência.

 Para os empresários apoiadores do golpe, o governo é lento na aprovação das perversidades contra o povo. Temer foi até cobrado em público, de forma constrangedora.

 Na primeira reunião do novo Conselhão, o publicitário Nizan Guanaes disse várias vezes ao microfone: “Aproveite que o senhor ainda não tem altos índices de popularidade e faça as medidas amargas que são necessárias”.

 Ou seja, aproveite que o senhor é um presidente ilegítimo e impopular e faça todas as perversidades contra os trabalhadores e o povo mais humilde.

 Se o ano de 2016 está ruim, 2017 promete ser ainda pior. O desemprego continuará a aumentar, assim como o custo de vida. As taxas de juro continuarão altas e o dólar, caro. Ao mesmo tempo, as empresas continuarão a vender e a produzir menos e a demitir mais.

 Se continuar nesse ritmo, a recessão pode se transformar em uma depressão econômica e prejudicar milhões de trabalhadores de baixa renda, e também a classe média alta que apoiou o golpe.

 Mais uma vez, teremos de derrotar o projeto neoliberal e resgatar o projeto de desenvolvimento com inclusão social e distribuição de renda, eleito de 2003 a 2014.

 Para isso, é preciso manter a classe trabalhadora nas ruas, lutando pela democracia, contra a retirada de direitos sociais e trabalhistas e pelas políticas públicas.

 Os ataques aos direitos sociais e trabalhistas exigirão dos trabalhadores mais formação, ampliação da consciência política, organização e capacidade de resistência para enfrentar os enormes desafios contra retrocessos.

 E dos dirigentes sindicais exigirão mais contato com a base, mais humildade para ouvir o clamor do povo e respeitar a vontade da maioria. Democracia se aprende praticando, e o golpe foi uma violência contra ela e contra o povo brasileiro.

 

[Artigo tirado do sitio web brasileiro Carta Capital, do 12 de xaneiro de 2017]