Assim vai o mundo: As guerras

Daniel Vaz de Carvalho - 15 Abr 2024

O mundo hoje está confrontado com três guerras:  a da NATO na Ucrânia; a de Israel na Palestina; a guerra contra a China em acelerada preparação.

 A propaganda de guerra, o constante semear de pânico, ódios, irracionalidade contra ameaças da Rússia, China, Irão, RPDC, enfim contra tudo o que não se submeta ao poder imperial dos EUA, tornou-se o padrão da desinformação nos países do dito ocidente – uma lavagem ao cérebro da opinião pública para aceitarem os sacrifícios e perda de direitos que a oligarquia e o imperialismo necessitam para manter o seu poder em declínio e disfarçar as crises.

Ucrânia

 A guerra na Ucrânia processa-se desde 2014, na sequência da expansão da NATO para leste passando de 16 países no tempo da URSS para 32. A Ucrânia é agora o país mais pobre da Europa, privada de metade da população e de quase toda a sua indústria, sem condições para assumir a manutenção de um exército. A Ucrânia tornou-se um país inviável, totalmente dependente do que a UE/NATO lhe der, com a ligação à sua História e raízes a ser cortada. O resultado é apenas mais ucranianos mortos, repressão neonazi e corrupção, para a NATO “não perder a face” na ilusão de vencer a Rússia.

 Que futuro perspetiva a NATO na Ucrânia? Uma reportagem publicada no Washington Post mostra que a maioria dos ucranianos está a desesperar com a guerra e as baixas intermináveis. A Ucrânia perdeu cerca de 85% de sua força mobilizada inicial, de 100 indivíduos que se juntaram às unidades apenas 10-20 deles permanecem, o resto está morto, ferido ou incapacitado. Indiferente, a propaganda segue o estilo do nazismo em 1944-45, quando a guerra estava mais que perdida. Deviam recordar-se – se o saber histórico lhes interessasse – que mesmo com Gobbels, a Alemanha perdeu a guerra .

 Aprendizes de feiticeiro, os líderes da UE/NATO, meros súbditos do império, envolveram-se numa guerra que não podem vencer e as únicas ideias que apresentam são de mais guerra. Violaram os dois acordos de Minsk, recusaram a proposta da Rússia para um tratado de segurança coletiva em 2021, Kiev, às ordens de Washington foi proibida de concluir as negociações para a paz com a Rússia em abril de 2022. Agora bradam que a Rússia quer invadir a “Europa”.

 Os media fazem tábua rasa do passado recente e envolvem-se em políticas de guerra: mais dinheiro e armas e maior envolvimento na Ucrânia. Militares da NATO participam crescentemente na Ucrânia, controlado sistemas de defesa aérea, mísseis táticos-operacionais e MLRS, e fazem parte de esquadrões de assalto.

 A NATO enfrenta o cenário do colapso da frente ucraniana, não conseguindo conter o avanço das tropas russas. Os media confrontam-se com a possibilidade da derrota das estratégias concebidas nos EUA. A estupidez que as tropas ucranianas com armas ocidentais dizimariam russos e as sanções paralisariam a economia da Rússia, foi destruída pela realidade.

 Em 21/04/2023 o Telegraph dizia: “a Ucrânia pode retomar a Crimeia dentro de meses se nós os ajudarmos. Não há necessidade de solução diplomática. A guerra da Rússia em breve será levada a um humilhante fim. Em 03/09/2023 titulava. “a vitória da Ucrânia está mais próxima que nunca. Armamento superior e mais forte dão às tropas ucranianas uma vantagem crucial.” Esta arrogância acéfala, deu lugar à confusão. Telegraph 14/3/24: “A “Europa” perderá toda a credibilidade (!) se a Rússia vencer na Ucrânia, avisa Macron.” Telegraph 10/03/24: “A máquina de guerra da Rússia-China pode em breve ultrapassar o ocidente.” (https://t.me/geopolitics_live/20253, Telegram, 01/04)

 A desorientação é evidente nas palavras do robot Stoltenberg na recente reunião dos ministros de negócios estrangeiros da NATO: “A situação no campo de batalha é muito grave e difícil para a Ucrânia, Kiev precisa de ajuda urgente". “Apreciamos tudo o que os países da NATO fizeram, mas não é suficiente, temos de fazer mais" "Os ucranianos precisam de mais ajuda a longo prazo e previsível para planear ataques".

 A inconsequência destas palavras é total. Falta explicar como os países da UE/NATO vão suportar o aumento dos custos militares, num ambiente de desindustrialização, endividamento, estagnação ou mesmo recessão económica nas principais economias. Falta explicar, como pensam que terminará a guerra já que a vitória contra a Rússia é vista pelos próprios como improvável. The New York Times relatava: “Defesa surpreendentemente fraca da Ucrânia ajuda ofensiva da Rússia. As FAR continuam a alcançar sucessos rápidos fora de Avdievka”. Mesmo não sendo uma ofensiva em grande escala, as FAR avançam em todos os sectores da frente.

 Talvez para mostrar à NATO o que aconteceria às suas tropas ou territórios, a Rússia começou a usar parte do seu poder de fogo convencional mais pesado. Pôs em ação ação as temíveis bombas guiadas FAB-1500 e FAB-3000 (3 toneladas) altamente destruidoras de infraestruturas e do moral dos soldados adversários, a NATO não tem como as deter. Colocou no terreno sistemas de lança-chamas Solntsepyok com cargas termobáricas queimando todas as fortificações numa área até 40 000 m2. Foram já detonadas bombas termobáricas/vácuo ODAB-500 com capacidade de planar e correção de curso. A explosão resultante gera uma força equivalente a 1 tonelada de TNT, num raio de 250 a 300 metros.

 É difícil perceber que perspetiva tem a NATO perante o cenário de colapso ucraniano. A Rússia ultimamente desencadeou intensos ataques com mísseis contra instalações de serviços secretos militares, oficiais da NATO estariam presentes, instalações industriais militares, rotas de transporte de armamento, instalações de energia elétrica. Em consequência, as empresas que produzem e reparam equipamentos militares e munições foram paralisadas, armamento da NATO foi destruído.

 Segundo o ministro da Defesa Shoigu, as perdas das FAU ao longo de dois anos, atingiram mais de 444 000 homens. Durante a contra-ofensiva as FAU perderam mais de 125 mil homens e 16 mil armas. Desde janeiro, mais de 80 mil soldados, 14 mil armas, incluindo mais de 1 200 tanques, (https://t.me/intelslava/, Telegram, 27/02 e 09/01). Dos 13 387 mercenários que foram para a Ucrânia, 5962 foram mortos. (https://t.me/geopolitics_live/18606, Telegram, 14/03)

 Dada a sistemática destruição dos HIMAR, Patriot, Leopard, Bradley ou Abrams dos EUA, destruídos como quaisquer outros, os pedidos de ajuda militar são tão insistentes como patéticos. As FAU perderam capacidade ofensiva e estão a esgotar as capacidades defensivas recorrendo a reservas e mobilizações forçadas. O recurso para ser apresentado serviço aos dadores da UE/NATO é recorrer a ataques terroristas contra civis.

Israel

 A guerra de Israel não é propriamente uma guerra, é um genocídio contra a população palestina, com o patrocínio do ocidente, que fornece armas e financia Israel (EUA). Nem uma sanção foi aplicada, embora tenham sido bombardeados hospitais, organizações humanitárias da ONU, pessoal médico, jornalistas, etc. Os votos piedosos da UE/NATO e EUA tornam-se ainda mais chocantes pela hipocrisia.

 “Comentadores” defendem isto afirmando que o Hamas é uma entidade terrorista que não pode ser colocada a par do exército de Israel que “cumpre as leis internacionais”. Nisto seguem os EUA, que no CS da ONU e noutras declarações afirmam não serem praticados crimes de guerra e Israel tem “direito à defesa”. Um exército que já matou mais de 33 000 civis, na maioria mulheres e crianças, segundo Israel “animais humanos” e “terroristas ou cúmplices”. Esclareça-se que o Hamas é a entidade política e administrativa de Gaza de pleno direito em eleições, em que para defesa das populações contra a invasão de colonatos como na Cisjordânia, criou um sector militarizado.

 No ataque à World Central Kitchen   morreram cidadãos britânicos, australianos e polacos, um americano e um palestino. No ataque à UNRWA Israel afirmou ter provas de colaboração com o Hamas, que nunca apresentou. Porém, logo os EUA, a UE/NATO e outros, suspenderam o financiamento, fazendo este sistema de ajuda da ONU entrar em colapso. No caso da WCK nem pelo facto de serem assassinados indiscriminadamente os seus cidadãos faz reduzir o apoio ao massacre em curso. Os media rapidamente fazem esquecer tudo isto.

 Para além deste inaudito massacre anunciado previamente (nas câmaras de gás nazis as vítimas só se apercebiam da morte nos momentos derradeiros), acresce a ausência de cuidados de saúde, tortura, violências, fome, prática corrente dos campos de concentração nazis. Toda esta infâmia contra 2,2 milhões de pessoas, que os “democratas liberais” procuram justificar com votos piedosos para Israel, mostra-se absolutamente ineficaz:   os reféns permanecem com o Hamas, exceto os mortos por Israel quando pretendiam entregar-se e os trocados por presos palestinos. Prova que ao fim de seis meses de carnificina o governo israelita não conseguiu atingir nenhum de seus objetivos:   os reféns não foram libertados, não conseguiu vencer o Hamas, nem há nenhum plano viável para o futuro de Gaza sem o Hamas.

 Uma guerra cara e sem solução que mais afunda as economias da UE/NATO, e mergulha Israel numa grave crise que os EUA terão de sustentar (até quando?) económica e militarmente. Os ataques dos Houthis tornaram o Mar Vermelho e Golfo de Aden zonas de guerra, a navegação caiu para menos de metade com navios de países da NATO a serem atacados e os custos de transporte a crescerem para o dobro. A reação armada dos EUA mostrou ao mundo a sua ineficácia, a sua incompetência.

 Mas os riscos de um conflito alargado no Médio Oriente com o Irão permanecem, recrudescendo na Síria, no Líbano, no Iraque, sem que o ocidente tenha uma solução, exceto apoiar os objetivos de Israel, com contraditórias nuances.

China

 Mas não se trata só de guerra na Europa e Médio Oriente. Apoiadas pelos vassalos europeus estão em curso ameaças à China. O Stoltenberg, repetindo o que nos EUA dizem, tem criticado a China incluindo ameaçar com “consequências graves” se a China ajudar militarmente a Rússia. Seria conveniente que este militarmente idiota explicasse que “consequências graves” são essas.

 Os EUA veem a China como uma “ameaça” e um “desafio” que tem de ser enfrentado. Que espécie de ameaça não é esclarecido, porém compreende-se que está em causa o domínio unipolar dos EUA, dado o desenvolvimento económico da China, potencial militar e abrangência diplomática em todos os continentes. Claro que o objetivo dos EUA não será ocupar a China, mas leva-la ao caos de guerras civis, separatismo, com a ajuda de “quintas colunas” e outros Chang Kai-shek (ou Gorbachov). O fracasso em Hong Kong, Tibete, Xinjiang (Uigures), não os demove.

 Uma guerra com a China é algo que o bloco liderado pelos EUA não pode vencer. As fragilidades da logística (tropas, equipamento, munições, etc.) para alimentar uma guerra de média duração são intransponíveis, acresce o Pentágono alertando “sobre atraso na produção de armas dos EUA e a sua incapacidade para as construir com a rapidez e qualidade suficiente”. Pelo contrário, a China modernizou e expandiu rapidamente as suas capacidades militares: “A China tornou-se um centro industrial global com a sua indústria e desenvolvimento tecnológico excedendo em muito a capacidade não só dos Estados Unidos, mas também a produção combinada dos seus principais aliados europeus e asiáticos". (https://t.me/geopolitics_live/, Telegram, 04/12)

 Os EUA aumentam o cerco à China, tal como feito relativamente à Rússia com o resultado conhecido. Os EUA terão implantados no Pacífico, cinco porta-aviões, cinco a dez submarinos de ataque, além de 30 navios, uns 500 aviões. Estão a instalar-se militarmente em três pequenas nações insulares, Palau, Ilhas Marshall e Micronésia. Posicionaram forças especiais nas Ilhas Kinmen de Taiwan, criando um facto consumado de Taiwan como país independente. Há também pessoal militar norte-americano em Taiwan para formação.

 Segundo o Comandante Geral do Exército dos EUA, Charles Flynn, os EUA têm intenção de implantar uma “capacidade de fogo de precisão de longo alcance” na região, incluindo a construção de um “muro de mísseis” abrangendo o Japão, Taiwan e as Filipinas. Supõe-se que se trata do sistema Typhon capaz de lançar Tomahawks com um alcance até 2 500 km e os SM-6s, com um alcance até 2 700 km. (https://t.me/geopolitics_live/20511, Telegram, 04/04)

 A coligação anti-China terá a primeira cimeira EUA-Filipinas-Japão em abril. Membros da da NATO e seus navios de guerra foram solicitados para operações conjuntas com marinhas daqueles países. O governo japonês vai atualizar 5 aeroportos e 11 portos para uso militar.

 O posicionamento das Filipinas é particularmente curioso, Ferdinand Marcos Jr, atual presidente das Filipinas, filho do ex-presidente, ditador e cleptocrata Ferdinand Marcos, e sua mãe foram em 1995 condenados nos EUA em 353 milhões de dólares para restituição a vítimas de abuso de direitos humanos na ditadura do pai. Os EUA não aplicaram a decisão judicial confiscando bens, optando por manter a sua influência sobre ele para antagonizar a China. Marcos Jr. forneceu mais bases militares nas Filipinas, desmantelou projetos com a China, esquecendo a dependência comercial do país em relação à China.

 A China tem alertado os EUA contra o aumento de tensões na Ásia. No Fórum Boao para a Ásia, as autoridades chinesas advertiram que a intensificação da aliança militar entre os EUA, o Japão e as Filipinas poderia detonar outro conflito no Sudeste Asiático e instaram as nações asiáticas a manter nas suas mãos a segurança da Ásia.

 Taiwan faz parte da China, como os EUA, nunca deixaram oficialmente de reconhecer. Quanto às tensões/provocações no Mar do Sul da China, poderiam ser resolvidas diplomaticamente. Mas isto é algo que os EUA parecem desconhecer. O aumento da confrontação com a China conduziria a outras “ucrânias” e supõe que os próprios EUA não seriam atingidos. O resultado seria uma guerra nuclear.

A preparação para a guerra

 Diz outro dos fantoches que pululam na UE/NATO, o sr. Borrell, que a possibilidade de uma guerra de alta intensidade na Europa “não é mais uma fantasia”. É de facto difícil perceber o que vai nas cabeças da gente que lidera o ocidente. Perderam no Afeganistão, na Síria, a Líbia aproxima-se da Rússia, o Iraque do Irão, derrotados na Ucrânia, têm de tomar a seu cargo um país destruído, sem economia, sem gente para a fazer funcionar, querem fazer o mesmo no Extremo Oriente para submeter a China. Como? Mais guerra.

 Na Ucrânia a ideia original, era torna-la um problema para a Rússia, em vez disso criaram um problema para os países da UE/NATO… político, económico e a perspetiva de iniciar a Terceira Guerra Mundial.

 Quanto à militarização da UE/NATO é uma proposta mais ao estilo fascista que democrático: criação de inimigos para controlar o descontentamento popular, aumentando a dependência dos EUA. Este bloco não tem matérias-primas, nem conhecimentos, nem indústria em larga escala para produzir equipamentos ao nível da Rússia, da China, nem mesmo aos do Irão. Não dispõe de combustível para operar grandes massas mecanizadas e, finalmente, não dispõe de dinheiro nem tempo para nada disto, nem para manter grandes exércitos em permanência. O valor estipulado para as despesas militares na NATO é 2% do PIB, mas na Polónia já se começou a falar em 3%. Atualmente anda entre os 1,9% do PIB em França, 1,57% na Alemanha e 1,13 na Bélgica; em Portugal, 1,48%,

 Tudo isto para defender um regime que proibiu os partidos da oposição, cancelou as eleições presidenciais, transformou criminosos nazis em heróis nacionais, prende e tortura os críticos, como o jornalista norte-americano Gonzalo Lira morto pela polícia política de Kiev, e ainda hostilizar a China de que a UE/NATO depende como parceiro comercial e de matérias-primas estratégicas, dificilmente substituível como fornecedor e em preço.

 A preparação para as guerras em curso foi tema ausente das campanhas eleitorais nos países da UE/NATO. Por aqui, as pessoas foram distraídas, melhor dizendo alienadas, com o combate à corrupção, quando o essencial na violação dos interesses do Estado residiu nas privatizações e PPP, conforme explicitado pelo Tribunal de Contas e Comissões Parlamentares. Tudo isto foi e é escamoteado nos media validando as acusações generalistas e broncas da extrema-direita. Porém, uma vez o novo governo instituído, logo se apressaram a fazer voto de submissão às políticas belicistas da NATO, com o primeiro-ministro garantindo a Zelensky apoio económico e militar "enquanto for necessário". É a democracia dos factos consumados delineada nos media controlados.

 Diz a ativista norte-americana Caitlin Johnstone: “A humanidade não pode mais permitir ser abusada e tiranizada por essa estrutura de poder assassina e hipócrita que atravessa o mundo. Um mundo melhor é possível, mas primeiro teremos que encontrar uma maneira de o arrancar das garras desses monstros”. Assim terá de ser.

 

[Artigo tirado do sitio web portugués Resistir.info, do 14 de abril]